Ainda altamente dependente de bons resultados da produção agrícola, a economia brasileira se encontra sob ameaça do potencial devastador das mudanças climáticas, um fator frequentemente subestimado por decisores públicos por motivos ideológicos, e até mesmo por setores do próprio agronegócio em busca de produtividade intensiva de curto prazo e lucro imediato.
O fato é que, se medidas efetivas não forem adotadas, esse processo multidimensional caracterizado por alterações globais na temperatura, ciclos hidrológicos e recursos hídricos já se fará sentir a partir de 2050, segundo os especialistas, sob a forma de perdas produtivas e econômicas sucessivas na agropecuária, com reflexos na segurança alimentar dos brasileiros.
- Saiba mais: 2023 foi o ano mais quente da história e cientistas buscam soluções para a crise climática
Embora alterações climáticas constituam um processo natural Terra, a ação do homem nas últimas décadas vem causando recordes sucessivos de temperaturas altas, principalmente pela emissão desenfreada de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera do nosso planeta. Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2018 revela aponta que 95% das mudanças climáticas são ocasionadas por emissões de GEE.
Como as mudanças climáticas já impactam o Brasil?
Os efeitos climáticos já estão sendo notados na produção de alimentos no Brasil.Fonte: Getty Images
No relatório de Riscos Globais de 2021, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial com governos, empresas e atores sociais, há uma percepção de que esses efeitos já são notados na agropecuária brasileira. Além do risco de perdermos nossa posição como um dos maiores exportadores de alimentos do mundo, estão parcialmente ameaçados o nosso pacote de tecnologias avançadas de produção agropecuária e a organização das cadeias produtivas.
Em entrevista recente à Rádio USP, o professor Carlos Eduardo Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba, explica que o impacto na produção de alimentos se manifesta desde o plantio das sementes. Para o agrônomo, a imprevisibilidade climática atual impede que os agricultores continuem confiando em técnicas consolidadas e ajustadas cientificamente aos padrões do clima.
- Leia também: El Niño pode agravar seca na Amazônia
O que se tem visto nos últimos anos é que o caos provocado por eventos climáticos extremos, como geadas, secas e enchentes tem provocado uma preocupante degradação dos solos, que impõe aos agricultores uma complicada estratégia de redesenho de plantios. Com isso, áreas tradicionais de cultivo agrícola estão sendo abandonadas, em detrimento de outras que necessitam de novas abordagens e tecnologias para se tornarem produtivas.
De secas e inundações a agricultura familiar em risco
A inundação no Rio Grande do Sul, em abril, afetou 50 mil agricultores.Fonte: Getty Images
Segundo o relatório "Impactos climáticos na segurança alimentar e nutrição" do Programa Mundial de Alimentos, o cenário de chuvas intensas, alagamentos, secas e ondas de calor impactam de maneira especial a agricultura familiar, um setor que representa 77% de todos os estabelecimentos agrícolas do Brasil, segundo a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares).
Um estudo de 2020, que usou modelos de equilíbrio geral computável, avaliou os impactos das alterações climáticas sobre a produtividade agrícolas dos agricultores familiares e patronais. Para o autor, Tárik Tanure, "a produtividade agrícola dos agricultores familiares é mais sensível às mudanças climáticas", pois os cultivos de mandioca, milho e feijão, típicos dessa modalidade, seriam os mais afetados pela perda de produtividade.
Isso significa que, ao afetar de forma negativa os cultivos de subsistência, as mudanças climáticas determinam uma notável piora na segurança alimentar dos próprios agricultores familiares. As consequências vão, conforme o estudo, de perda de renda e desvalorização das terras, a pressão para migrações inter-regionais, inclusive para grandes metrópoles.
A contribuição letal das queimadas
Grande parte das queimadas no Brasil tem origem criminosa.Fonte: Getty Images
Socialmente trágicos e ecologicamente irreversíveis, os eventos climáticos continuam castigando o Brasil de norte a sul. No final de abril, as enchentes recordes no Rio Grande do Sul foram um duro golpe para a agropecuária gaúcha, com 50 mil agricultores afetados, uma quebra na soja de três milhões de toneladas, além da morte de mais de um milhão de aves nas águas.
Como se isso não bastasse, agora são as queimadas a impactar diretamente a economia brasileira, com centenas de milhares de hectares devastados pelo fogo. Muitas dessas ocorrências são causadas naturalmente pela seca, mas a maioria delas tem sido atribuída a ações criminosas em São Paulo e no Pantanal.
Em análise recente, feita pela organização Oxfam Brasil para a IstoÉ Dinheiro, foram estimadas perdas entre 0,6 e 0,8 ponto percentual do PIB já neste ano. Os efeitos imediatos incluem o aumento dos produtos da cesta básica, enquanto, no médio prazo, são previstos mais gastos com saúde pública e transferência de renda emergencial, para construção de moradias.
Já no longo prazo, os custos ultrapassam fronteiras e podem ser resumidos no "grande filtro", uma hipótese científica segundo a qual em algum momento do desenvolvimento de uma civilização, pode haver um impacto na sobrevivência da espécie, de consequências imensuráveis e imprevisíveis.
Mantenha-se atualizado sobre os impactos da crise climática em nosso país e no mundo aqui no TecMundo. Se desejar, saber também como, o que é crédito em carbono e como o Brasil pode liderar esse mercado.
Categorias