Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
"Exercício como remédio" é uma analogia que parece boa, mas não é. Talvez você tenha visto a mais recente campanha da Asics, marca de material esportivo – especialmente de corrida, que trouxe seus tênis em uma nova embalagem: uma cápsula, remetendo os tênis aos comprimidos.
Apesar de inovadora e esteticamente atrativa, essa abordagem parece não ser efetiva, considerando a ciência comportamental. Entenda agora por que o “exercício como remédio” parece não ser um bom caminho para a prática de exercícios.
O primeiro fato é reconhecer que o exercício realmente funciona como remédio. Um estudo meta-epidemiológico que incluiu 305 ensaios clínicos randomizados concluiu que o exercício tem eficácia semelhante às intervenções medicamentosas para diversas doenças crônicas. Outro reuniu evidências de que o exercício é terapia para 26 doenças. Os mais recentes estudos no campo da saúde mental, mostram que o exercício tem efeitos similares aos medicamentos antidepressivos.
Descobrimos e afirmamos a cada dia que o exercício realmente funciona como remédio para prevenir e tratar doenças. Evoluímos na consciência das pessoas sobre os efeitos positivos dos exercícios sobre a saúde, mas não nos níveis de pessoas fazendo exercícios. A Lancet admitiu que desde 2001, não houve melhoria nos níveis globais de atividade física. Por que isso ocorre?
Você provavelmente entende que exercício faz bem à sua saúde, mas isso pode não ser suficiente para fazê-lo praticar.Fonte: Getty Images
A medicalização do movimento corporal
“Exercício como remédio” perpétua a medicalização do exercício, processo pelo qual não tem elevado os níveis de atividade física da população, pois em linhas gerais não torna o exercício uma atividade mais interessante e atrativa. O observável pela principal barreira apontada pelas pessoas para não os praticar: falta de tempo. Para coisas ruins, chatas e desprazerosas não encontraremos tempo, exceto se sejamos obrigados.
Você pode ser obrigado a tomar um remédio para sobreviver se estiver doente, mas quando puder, vai parar. Basicamente é isso que acontece se encararmos o exercício apenas como um remédio.
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Benefícios como saúde, prevenir doenças e perder peso podem não tornar o exercício atraente o suficiente para competir com sucesso contra outras responsabilidades e prioridades diárias. É como quando temos que escolher entre atividades da nossa rotina: assistir uma série ou ir para à academia; brincar com os filhos ou sair para correr na rua; ler um livro ou passear de bicicleta.
O slogan “exercício como remédio”
Pesquisadoras afirmam que “exercício como remédio” já começa a dar errado quando ao usar o termo exercício, não incluímos outras formas de movimento corporal através da atividade física. Jardinagem, uma trilha com um amigo e um passeio de bicicleta em família estariam onde? O complemento da frase “remédio” também não ajuda. Remédio, segundo o dicionário, é algo usado para tratar ou prevenir doenças. Quem toma remédio? Quem está doente.
Apesar da pandemia de doenças crônicas, talvez quem não tenha um diagnóstico claro, não se sinta atraído pela mensagem de, por meio de movimento físico, receber uma dose de medicação via atividade física. Aliás, essa é outra linha de crítica: se o exercício é remédio, como sabemos tão pouco sobre a dose ideal?
Tomamos remédio de maneira compulsória e quando permitido, interrompemos o uso.Fonte: Getty Images
Na essência, tomar um remédio não reflete apenas a prescrição de um profissional da medicina, te dizendo para tomar algo com sabor amargo ou por vezes até uma experiência dolorosa como uma injeção, mas também algo que é obrigatório para sua saúde, sendo algo que não temos escolha pela própria vontade.
Motivação para exercícios
Sendo o exercício motivado por uma razão extrínseca (que vem de fora) e por consequência uma motivação de qualidade ruim, não é de se esperar que o mantenhamos ao longo da vida. Pesquisadores argumentam que o exercício para obter benefícios à saúde, como remédio, medicaliza o comportamento e reflete pressões normativas para o que é idealizado em nossa cultura, tornando o exercício um imperativo moral, algo que “deveríamos” estar fazendo.
O “devemos” é diferente do “queremos”. Embora o senso comum nos esmague dizendo que temos que fazer coisas que não gostamos, no caso dos exercícios, isso é ruim. Sentir-se controlado em relação a um comportamento, em vez de se sentir autônomo em relação a ele, exerce pressão aos indivíduos, o que, na verdade, prejudica o comportamento, pois não é uma motivação de boa qualidade. Para manter exercícios em sua vida, é preciso querer, indo além do sentimento de “dever”.
Sofremos de um viés cognitivo chamado desconto hiperbólico. Nele, valorizamos mais os benefícios imediatos do que os posteriores. É por isso que exercícios somente para saúde são motivacionalmente fracos, pois temos que nos esforçar diariamente para um benefício que está longe de aparecer.
Conseguimos internalizar na consciência das pessoas a importância do exercício para saúde, esse foi um processo necessário em que o “exercício como remédio” fez seu papel. Porém, não somos apenas racionais. Para evoluir é especialmente importante promover a atividade física como uma forma de gerar prazer, visto que a maioria dos adultos vive uma vida ocupada, agitada e com pressa, sendo provável que consigam incluir exercícios em sua vida, se isso for bom.
Observo que há uma relação esquecida entre autocompaixão e atividade física. O amor a si próprio dá permissão às pessoas para se envolverem em atividades que sejam agradáveis para elas, o que inclui a escolha da modalidade, em um nível de esforço confortável de ser mantido. Pesquisadores tem concordado que promover atividade física como algo prazeroso e significativo ao nível pessoal tem sido uma estratégia subutilizada, mas cientificamente suportada para motivar as pessoas.
Motivos extrínsecos como a busca por saúde e o efeito medicamentoso do exercício levam a menor bem-estar psicológico em comparação com os motivos intrínsecos, como prazer e bem-estar. A atividade física que promove o prazer e o bem-estar, em vez do exercício como um medicamento, é uma mudança necessária. Se olharmos para a história de nossa própria espécie, a atividade física nunca evoluiu para ser um medicamento, mas sofreu essa transformação à medida que fomos enclausurando nossos movimentos e sofrendo com as consequências do comportamento sedentário aliado à inatividade física.
Se “exercício como remédio” funcionasse para motivar as pessoas a se exercitarem, talvez teríamos mais academias do que farmácias nos bairros. Remédios restauram a saúde, o exercício promove a saúde. Exercícios como remédio remetem mais à doença do que à saúde. Exercício físico é mais do que remédio.
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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência - Fatos e Mitos.
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