Um dos fatos mais curiosos e contra intuitivos sobre o Universo é que todas as coisas que nos são familiares na vida cotidiana representam apenas 5% de tudo o que existe. Eu, você, os oceanos, os planetas e as estrelas... tudo aquilo que é composto por prótons, nêutrons e elétrons e constitui a matéria ordinária é apenas uma pequena fração dos constituintes do Universo.
Mesmo se considerarmos todo o mais que já detectamos – neutrinos, outras partículas subatômicas e até mesmo buracos negros – ainda estamos de dos 95% dos principais componentes cósmicos: a matéria escura, que compõe cerca de 27% do Universo; e a energia escura, que compõe cerca de 68% de tudo o que existe.
Fração dos componentes do Universo.Fonte: NASA
A matéria escura, em particular, é um dos maiores mistérios de todos. Modelos astrofísicos modernos estão praticamente certos de que, de fato, essa componente deve existir, já que uma série de evidências indiretas podem ser obtidas a partir de um conjunto de medições independentes.
Porém como nunca foi obtida nenhuma evidência direta de qualquer partícula que possa ser responsável por isso, em superlaboratórios como aceleradores de partículas, por exemplo, alguns cientistas ainda permanecem céticos quanto à sua existência.
Contudo, independente do que seja a matéria escura, se o nosso Universo não a tivesse seria um lugar muito diferente. Eis como.
O Big Bang ainda teria ocorrido cerca de 13,8 bilhões de anos atrás. Partículas e antipartículas teriam sido criadas e destruídas em grande abundância, deixando uma pequena quantidade de prótons, nêutrons e elétrons em meio a um mar de radiação.
Nesse estágio do Universo primordial, o espaço é tão quente, denso e energético que estas partículas ainda poderiam fundir-se para formar os primeiros elementos químicos. Neste momento, se o Cosmos tem matéria escura ou não é um aspecto irrelevante: a relação da quantidade de fótons e de partículas subatômicas é o único fator que determina quanto de hidrogênio, hélio e lítio (entre outros) são criados nos primeiros instantes após o Big Bang.
Representação da história cósmica do Big Bang até hoje.Fonte: NASA/Caltech
Mas passados os primeiros minutos, a presença ou ausência de matéria escura torna-se extremamente importante. O Universo primitivo era quase perfeitamente uniforme, com aproximadamente a mesma densidade média em todo o espaço. Entretanto existiram pequenas flutuações nestas densidades que cresceram gravitacionalmente com o tempo e deram origem às estrelas, galáxias e estruturas ainda maiores.
No Universo, a gravidade colapsa a matéria enquanto a radiação empurra essas estruturas densas, trabalhando para separá-las. Se tudo o que existisse no Universo fosse apenas matéria normal e radiação, isso levaria a uma enorme quantidade de estrutura em escalas muito específicas e restritas.
Simulação da formação e evolução da matéria escura no Universo.Fonte: National Science Foundation
Em escalas cósmicas pequenas, os únicos sistemas estelares que existiriam serão simplistas. Sem a presença de matéria escura, o ciclo de vida das estrelas perderia a capacidade de reciclar os elementos de uma geração de estrelas para a seguinte, que impediria a dos elementos pesados necessários para formar planetas rochosos nos nossos discos protoplanetários.
Outro ponto é que sem as quantidades abundantes de carbono, oxigênio e outros elementos mais pesados, não só a vida seria uma impossibilidade, mas os únicos planetas que poderíamos formar seriam mundos gasosos compostos de hidrogénio e hélio.
Em escalas intermediárias, as galáxias ainda formariam discos repletos de estrelas. Mas sem a matéria escura, elas perderiam uma grande fração do gás que forma novas estrelas imediatamente após o primeiro grande evento de formação estelar, uma vez que o gás seria mais facilmente ejetado da galáxia hospedeira.
Além disso, as galáxias espirais girariam como o nosso Sistema Solar: as estrelas e outros objetos mais internos girariam muito mais rapidamente em torno do centro do que aqueles externos.
Simulação da teia cósmica das largas estruturas do Universo.Fonte: ESA
Finalmente, em grandes escalas cósmicas, haveria consideravelmente menos estruturas, em geral. Num Universo sem matéria escura, não existe nenhum “esqueleto” invisível na teia cósmica; em vez disso, a estrutura se forma baseada apenas na força da matéria normal.
Isso significa que, em vez de uma teia cósmica, onde o Universo acabaria com galáxias pontilhando os filamentos que conectam os grandes aglomerados do Universo, você acabaria com ilhas isoladas de galáxias de tamanho médio, sem muito além.
Se você gosta do fato de o Universo ser como é, um agradecimento à matéria escura seria interessante. Mesmo que não saibamos ainda o que ela é, certamente trata-se de um ingrediente fundamental que levou o Cosmos a produzir nossa existência.
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