Imagine viajar no tempo e testemunhar os primeiros instantes do nosso Universo. O que nós veríamos? Como ele seria? Quais seriam as principais diferenças do que existe hoje?
Embora não possamos realizar essa jornada, além de podermos estimar como esses instantes ocorreram, é possível obter algumas visões únicas e reveladoras do universo primordial. E isso tudo graças a ciência, que fez umas das descobertas mais notáveis da história: a radiação cósmica de fundo.
Representação artística da história do Universo.Fonte: NASA
No início do século XX, o astrônomo e padre belga Georges Lemaître propôs os pressupostos básicos daquilo que viria a ser conhecido como a teoria do Big Bang. Segundo esse modelo, o Universo tal qual conhecemos teve uma origem explosiva a partir de um estado extremamente quente e denso, há cerca de 13,8 bilhões de anos atrás. As evidências que sustentavam essa hipóteses na primeira metade do século passado, entretanto, eram escassas.
No ano de 1948, um grupo de físicos - George Gamow, Ralph Alpher e Robert Herman -teorizaram que, se o Big Bang realmente ocorreu, uma radiação residual proveniente desse evento primordial deveria ser detectável ainda nos dias de hoje.
A justificativa para essa hipótese se fundamenta na própria expansão do Universo e na ideia de que o ele passou por um estado extremamente quente e denso em seu passado. Durante esse período, o espaço era preenchido por um plasma quente e opaco composto por prótons, elétrons e fótons. Os fótons, contudo, estavam constantemente colidindo com as partículas carregadas do plasma, o que impedia sua livre propagação.
Os fótons ficaram livres para se propagar somente após 380 mil anos desde o Big Bang.Fonte: Astronomy
Porém, à medida que o Universo expandia, ele também esfriava. Aos poucos, o plasma foi se resfriando o suficiente para permitir que os elétrons se combinassem com os prótons, formando átomos neutros, em um processo conhecido como recombinação. Somente após esse evento, que ocorreu cerca de 380 mil anos depois do Big Bang, os fótons puderam viajar livremente pelo espaço, sem serem continuamente espalhados pelo plasma.
Esses fótons, agora na forma de radiação eletromagnética de micro-ondas, ficaram "congelados" naquele estado primordial. Com o tempo, eles foram se esticando e resfriando ainda mais devido à expansão do universo, resultando na chamada radiação cósmica de fundo.
Portanto, a existência dessa radiação era uma consequência direta da teoria do Big Bang, pois representava um resquício da fase inicial quente e densa do universo. Faltava somente detectá-la.
Robert Wilson e Arno Penzias em frente a antena que detectou a radiação cósmica de fundo.Fonte: Reprodução/ Domínio Público
Em 1965, dois físicos dos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, Arno Penzias e Robert Wilson, trabalhando com uma antena de micro-ondas, se depararam com um "ruído" persistente vindo de todas as direções do céu. A princípio, eles ficaram intrigados com essa interferência constante, acreditando que poderia ser algum ruído artificial do instrumento ou até mesmo alguma sujeira presente na antena.
Não demorou para que esses ruídos fossem confirmados como a radiação cósmica de fundo, que rendeu a ambos o Prêmio Nobel de Física de 1978 e forneceu evidências sólidas de um Universo que teve um início e está em expansão, revolucionando para sempre nossa compreensão do Cosmos.
Uma das características mais notáveis desse radiação residual do Big Bang é que sua distribuição espectral é de um corpo negro quase perfeito, isto é, um corpo que absorveu toda a radiação nele incidente. Quando os astronômos medem a temperatura dessa radiação, encontram um valor médio de aproximadamente 2,7 Kelvin (equivalente a -270,45 °C).
Mapa da radiação cósmica de fundo observada pelo satélite Planck. A diferença de cores nas manchas apresentam as flutuações de temperatura.Fonte: ESA/Planck
Dizemos "valor médio", porque embora a radiação cósmica de fundo pareça uniforme em grandes escalas, estudos detalhados revelaram pequenas flutuações de temperatura em diferentes pontos do céu. Essas pequenas flutuações, na realidade, foram extremamente importantes para a evolução do Universo, pois são justamente os vestígios das irregularidades que eventualmente deram origem às estrelas, galáxias e outras estruturas que observamos hoje.
Nas últimas décadas, graças aos avanços tecnológicos significativos em instrumentação, diversas missões espaciais estudaram a radiação cósmica de fundo com maior precisão, mapeando-a em todo o céu, o que possibilitou aos cientistas estudá-la com detalhes incríveis, oferecendo uma janela privilegiada para os primórdios do nosso Universo e da nossa própria origem.
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