*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Ao longo da história humana, certos fenômenos astronômicos ganharam interpretações místicas pelo simples fato de serem raros e incomuns, como os eclipses solares; se tivessem sido mais frequentes nos céus, não teria sido necessário invocar os sinais de advertências divinas, ameaças de doenças e pragas, ou presságios de grandes desastres para explicá-los.
No anseio de entender aquilo que desconhece, a imaginação tende a ocupar as lacunas da ignorância com estórias que refletem suas esperanças ou medos. Exemplos disso foram as aparições de “estrelas novas” no céu, cujo brilho por vezes era visível até mesmo à luz do dia. Hoje sabemos que a maioria das descrições de tais eventos correspondiam aos brilhos de supernovas (explosões termonucleares de estrelas massivas no fim de sua vida) ou da passagem de cometas, como o famoso Halley, por exemplo.
O cometa Halley.Fonte: Britannica
Os eclipses solares, mesmo não sendo necessariamente raros em termos de frequência, ganharam explicações similares. Com a evolução do pensamento humano, contudo, dissiparam-se as névoas que obscureciam a descrição correta de tais fenômenos e, hoje, podemos entendê-los tal como são.
Quais são os tipos e causas de um eclipse solar?
Quando a Lua Nova passa diretamente entre a Terra e o Sol, uma de três coisas acontece: um eclipse solar total, onde a Lua está perto o suficiente da Terra para que sua sombra caia sobre ela; um eclipse anular, onde a Lua está mais distante da Terra e sua sombra termina antes de atingir nosso planeta; ou um eclipse híbrido, onde os observadores do nascer ou do pôr do sol veem um eclipse anular e os observadores do meio-dia veem um eclipse total.
Representação esquemática de um eclipse solar total.Fonte: NASA
Esses três tipos de eclipse solar ocorrem devido à própria dinâmica gravitacional do sistema Terra-Lua: a órbita lunar ao redor do nosso planeta não é perfeitamente circular, em vez disso, é uma trajetória elíptica, com pontos que não estão igualmente distantes da superfície terrestre, ou seja, ora a Lua está mais próxima, ora mais distante.
Embora a Lua seja aproximadamente 400 vezes menor que o Sol, durante um eclipse solar total, o disco lunar cobre inteiramente o disco solar. Isso acontece por uma coincidência cósmica: a Lua também está, em média, cerca de 400 vezes mais próxima da Terra do que o Sol, o que faz com que ambos possuam, para um observador na Terra, o mesmo tamanho angular, isto é, o mesmo tamanho aparente no céu.
Apenas cerca de 40% dos eclipses solares são eclipses totais atualmente, mas essa proporção é muito menor do que costumava ser e está diminuindo a cada dia, uma vez que a Lua continua a se afastar para longe da Terra. Como assim? Já explico.
Representação artística da colisão entre a Terra e o proto-planeta Gaia que teria originado a Lua.Fonte: NASA
No passado, quando a Lua se formou, ela estava muito mais próxima da Terra, enquanto nosso planeta girava muito mais rapidamente. De forma análoga à desaceleração de uma bola que gira quando encostamos um dedo nela, a Lua – graças às interações gravitacionais chamadas de forças de maré que ela exerce sobre a Terra em rotação – fez com que nosso dia se alongasse consideravelmente ao longo da evolução do Sistema Solar. Em outras palavras, a velocidade de rotação da Terra está diminuindo e esta perda resultante de momento angular é compensada pela aceleração da Lua que, portanto, se afasta.
Medições modernas precisas mostram que, a cada ano que passa, a Terra leva 14 microssegundos extras para completar sua rotação diária e por essa razão nós adicionamos um segundo bissexto para recuperar o atraso a cada 18 meses. Além disso, a Lua se afasta cerca de 4 centímetros da Terra a cada ano. Este é um processo muito lento, mas contínuo e que se processa gradualmente, produzindo diferenças significativas ao longo de milhões de anos.
Eclipse solar total na Argentina.Fonte: Thierry Legault
Por conta desse fato, simulações computacionais estimam que cerca de 90% de todos os eclipses solares previstos para ocorrer na história do sistema Terra-Lua já aconteceram. Isso significa que os eclipses solares estão com seus dias contados, literalmente: daqui a aproximadamente 570 milhões de anos, ocorrerá o último eclipse solar total e, após outros aproximadamente 80 milhões de anos, ocorrerá o último eclipse híbrido.
Essa será a última vez que qualquer porção da Terra se verá banhada pela sombra da Lua. Além desse ponto, a Lua não estará mais perto o suficiente da Terra em nenhum ponto de sua órbita para que sua sombra caia em nossa superfície. A partir desse momento, a única maneira de ver um eclipse solar total será subindo aos céus em direção ao espaço, onde poderemos novamente nos encontrar com a sombra lunar.
Tente garantir de assistir algum no seu tempo de vida!
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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