*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
A água está em toda parte na Terra – nas nuvens, na chuva, nos oceanos, nos rios e até mesmo em nossos próprios corpos – e podemos encontrá-la facilmente em qualquer um dos seus estados líquido, sólido ou gasoso. De fato, cerca de 71% da superfície terrestre é coberta de água, razão pela qual a chamamos carinhosamente de planeta azul.
Nosso planeta, contudo, era completamente diferente nos estágios iniciais da sua formação. Não existiam continentes bem definidos nem uma atmosfera rica em oxigênio e menos ainda existia algum contraste exuberante do azul dos oceanos com o verde das vegetações. No início de sua história, há cerca de 4,5 bilhões de anos, o ambiente no planeta Terra era inteiramente caótico e inóspito.
O planeta era bem diferente há 4,5 bilhões de anos (Getty Images)
Comparado com a maioria dos outros planetas do Sistema Solar, a Terra se formou em uma posição relativamente próxima ao Sol. Nos primeiros anos de sua infância, as temperaturas extremamente quentes da superfície fortemente ativa da Terra implicavam que não havia ainda a possibilidade de manter água em nenhum estado físico que fosse e nem uma gota sequer sobreviveria tempo suficiente para contar história.
Porém, logo após a formação da Lua, apenas alguns milhões de anos depois, provavelmente já havia continentes e oceanos de água salgada e líquida, e nosso planeta estava aproximadamente à mesma distância do Sol que o encontramos hoje. O planeta girava em torno do seu eixo muito mais rapidamente que seu período de rotação hoje (cerca de três a quatro vezes sua taxa atual) e, à medida que o planeta girava em torno de seu eixo e girava em torno do Sol, a água congelava, derretia, precipitava e grandes reservatórios de água doce eram formados.
Vista do encontro do oceano com o continente no Rio de Janeiro (Getty Images)
Mas como isso aconteceu? Como a água se formou em um planeta cujas condições iniciais eram extremamente hostis à presença e formação desse líquido tão comum atualmente?
A verdade é que a fonte original da água na Terra tem sido e ainda é um mistério de longa data. Cientistas de diversas áreas do conhecimento humano - física, química, biologia, geofísica, astronomia, entre outros, vêm buscando há décadas responder a essas perguntas.
A hipótese científica mais aceita atualmente é de que a água na Terra tem uma origem extraterrestre: a maioria dos astrônomos acredita que asteroides e cometas longínquos a trouxeram para nosso planeta primitivo. Essa hipótese sugere que essas rochas espaciais carregaram os minerais e a água congelada que os formam ao longo de bilhões de quilômetros no espaço interplanetário, até colidir com a Terra e depositar seu conteúdo em nossa superfície.
Esses asteroides, categorizados como tipo C, são os mais comuns no Sistema Solar e, nos primeiros milhões de anos da Terra, devido às instabilidades orbitais dos planetas e objetos ainda em formação, bombardearam a superfície do nosso planeta com uma frequência muito maior que a taxa de impacto atual, sendo, então, as possíveis fontes para as quantidades de água atuais.
Contudo, outras hipóteses científicas afirmam que é improvável que toda a água da Terra tenha se originado desse bombardeio de asteroides, valendo-se para tanto dos resultados de medições das razões isotópicas de hidrogênio em cometas como Halley, Hyakutake e Hale-Bopp. Os resultados, que apresentaram a proporção de deutério para prótio (razão D/H) dos cometas, é cerca do dobro daquele encontrado na água oceânica, sendo então um indício desfavorável para a hipótese do bombardeio.
Nos últimos anos uma nova e promissora hipótese tem sido alavancada no meio científico: a de que a água pode ter sido originada por influência e atividade do Sol. Estudos recentes sugerem que o vento solar (fluxo de partículas carregadas emanadas pelo Sol) criou água na superfície de minúsculos grãos de poeira e essas pequenas quantidade de água provavelmente foram as sementes das cadeias futuras, fornecendo o restante da água da Terra.
A interação entre o vento solar e os asteroides pode ter criado a água na Terra.Fonte: University of Glasgow/Reprodução
Segundo essa nova hipótese, quando íons de hidrogênio atingem uma superfície sem atmosfera, como um asteroide ou uma partícula de poeira no espaço, eles penetram algumas dezenas de nanômetros abaixo da superfície desse grão, onde podem afetar a composição química da rocha. Com o passar do tempo, os íons de hidrogênio conseguem ejetar uma quantidade suficiente de átomos de oxigênio de materiais na rocha para criar H2O, a água.
A água derivada do vento solar produzida pelo Sistema Solar primitivo é isotopicamente leve e indica que os grãos de poeira fina, golpeados por partículas solares e arrastados para a Terra em formação bilhões de anos atrás, pode ser a fonte do reservatório de água do planeta.
Nos próximos anos, espera-se que essas hipóteses ganhem novos capítulos à medida em que mais observações astronômicas e novas análises de dados forem feitas, elucidando mais sobre a formação e estrutura do nosso planeta e a existência da própria vida na Terra.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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