Foi publicado recentemente no periódico Scientific Reports, vinculado ao grupo Nature, a validação de um hemograma completo em point-of-care (POCT). Tive a oportunidade de participar desse trabalho junto dos demais cientistas e pesquisadores que atuam na healthtech onde lidero a equipe médica. Por meio da coleta de amostra de sangue capilar, semelhante ao que é feito com glicosímetros (autoteste para diabetes), o laudo é emitido em 30 minutos.
Essa nova geração de testes tem potencial de resolver gargalos do sistema e viabilizar o próximo salto evolutivo dos laboratórios na aplicação do hemograma.
O primeiro salto evolutivo da análise hematológica se deu na automatização do teste, que permitiu a ampliação da escala e a aplicação dela no formato atual. Com esse próximo salto evolutivo que o POCT vai promover, haverá uma mudança direta na jornada do paciente, que terá maior facilidade, conveniência e rapidez no resultado.
O hemograma é o exame mais solicitado na prática clínica laboratorial. Isso não ocorre por acaso, pois ele fornece grande quantidade de informações sobre os componentes sanguíneos. O exame é útil para a detecção e acompanhamento de várias doenças e condições, mas nem sempre foi assim.
Antigamente, era utilizado em poucos casos devido ao caráter manual da análise, feita por meio de um microscópio. Hoje, é um exame amplamente disponível e acessível, praticado na rotina médica ou no contexto de emergências.
Porém, ainda há uma série de desafios, como: o método de coleta; tempo de resultado; disponibilidade em regiões remotas ou sistema público. E são justamente esses obstáculos que movem a inovação.
A história do hemograma
O 1º hemograma foi idealizado na metade do século 19, em 1852, por meio da microscopia óptica. Na época, todo exame exigia a confecção de lâminas e contagem de células de forma manual. Essa é a geração analógica do exame. Obviamente que esse formato não permitiu o uso em escala, fazendo que o exame fosse restrito a situações muito específicas.
Em 1874, foi criado o hemocitômetro, dispositivo para contagem de células que simplificou a preparação e a análise de testes. No final do século, os primeiros corantes foram desenvolvidos, o que viabilizou a diferenciação celular e são utilizados até hoje.
O 1º teste automatizado foi criado na década de 1920, mas a 2ª geração do teste, de fato, foi criada na década de 1950, com o advento da impedância elétrica, tecnologia que permitiu uma evolução. A capacidade de processamento foi ampliada absurdamente, viabilizando a aplicação do exame em inúmeras situações.
O 1º hemograma foi idealizado em 1852.
Considerando os números acerca de exames complementares no Brasil, somente em 2021 foram realizados cerca de 2 bilhões. De acordo com os dados do Sistema Único de Saúde (SUS )e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o hemograma corresponde de 8% a 10% de todas as análises laboratoriais, e praticamente 50% das requisições médicas incluem o exame.
Portanto, muito se avançou na técnica do hemograma e, consequentemente, na aplicação dele. Porém, ainda há situações e contextos em que o modelo atual não é o ideal.
O tempo entre a solicitação do exame e o resultado deve ser o menor possível em um ambiente de urgência ou emergência. Contudo, raramente o resultado sai em menos de 2 horas, mesmo em instituições de referência. Na maior parte dos estabelecimentos de saúde, essa espera passa de 6 horas.
Esse mesmo fator impacta diretamente na jornada do paciente, que hoje precisa de uma requisição médica, dirigir-se a um laboratório para realizar coleta, receber o resultado após algumas horas ou dias e reagendar uma nova consulta médica.
Todo esse processo pode durar semanas ou até mais de 1 mês. Em situações eletivas, isso pode não ser um grande problema, mas impacta diretamente no caso de um paciente oncológico que necessita do hemograma em cada sessão de quimioterapia que realiza, por exemplo.
Coleta venosa
A coleta venosa é um procedimento que se adapta muito bem ao modelo laboratorial vigente, afinal depende de um núcleo técnico operacional centralizado. Para viabilizar o transporte e a distribuição do teste em diferentes equipamentos, são necessários altos volumes de amostra biológica, como 10 ml ou 20 ml. Porém, essa não é a proposta mais conveniente para o paciente, pois a coleta venosa causa desconforto, medo e dor, principalmente em crianças.
A coleta a partir de punção capilar já é uma realidade para testes de glicemia e do vírus da imunodeficiência humana (HIV), por exemplo, mas não para outros testes.
Essa mudança já é possível, mas não ocorre ainda, de fato, devido à dificuldade de mudança no processo logístico e na limitação técnica da estrutura laboratorial vigente, preparada para grandes volumes de amostra biológica.
O POCT trará mais facilidade, conveniência e rapidez no resultado.
A 3ª geração do hemograma
O próximo salto evolutivo do hemograma deve gerar uma mudança direta na jornada do paciente, que terá maior facilidade, conveniência e rapidez no resultado. Hoje, o tempo entre requisição, coleta e resultado de exame de um paciente que realiza quimioterapia é de 24 horas a 72 horas. Esse resultado é necessário para o planejamento do próximo ciclo de tratamento.
Com a nova geração, esse processo terá duração de menos de 1 hora, permitindo que a consulta, o exame e a infusão da quimioterapia ocorram no mesmo local. O paciente pediátrico também se beneficiará, já que a técnica é menos dolorida, conveniente e exige menor volume de amostra.
Esses são apenas dois exemplos de outras inúmeras aplicações em consultórios médicos, ambulâncias e salas de emergência, que poderão ter uma conduta mais rápida e com o resultado imediato.