*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Quando olhamos para cima, para além dos limites do nosso planeta, o Universo se abre em uma imagem gloriosa. Olhamos para o Sistema Solar e todos os corpos celestes que o compõem, para a miríade de estrelas distantes e para o esplendor da nossa galáxia.
Ao longo de bilhões de anos, os átomos se juntaram e se recombinaram por meio de inúmeros processos físicos para dar origem a toda matéria ordinária que constitui o Cosmos, desde o menor dos grãos de poeira interestelar até a maior das galáxias.
A Via Láctea é apenas uma dentre mais de 1 trilhão de galáxias que os astrônomos estimam existir. Uma enorme quantidade de galáxias satélites nos acompanha em nossa jornada cósmica, orbitando-nos ao longo de milhões de anos. A nossa vizinha mais exuberante, a galáxia de Andrômeda, nos supera em dimensão, em massa e até mesmo em quantidade de estrelas. Ela e a Via Láctea estão tão próximas entre si que uma colisão nos próximos 4,5 bilhões de anos é inevitável.
Galáxia de AndrômedaFonte: Robert Gendler
Ao todo, o nosso bairro galáctico é composto de cerca de 60 galáxias vinculadas gravitacionalmente a um ambiente conhecido como o Grupo Local. Esse agrupamento de galáxias está, por sua vez, localizado nos arredores de um agrupamento ainda maior, chamado de Aglomerado de Virgem, composto por cerca de 1.300 galáxias.
Possuir uma vizinhança galáctica, entretanto, não é um privilégio da Via Láctea. A maioria das galáxias no Universo são encontradas unidas em grande número em grupos e aglomerados de galáxias, umas das maiores estruturas ligadas gravitacionalmente que existem. Entre essas grandes estruturas é comum encontrar enormes regiões de vazios cósmicos contendo pequeníssimas quantidades de matéria em seu interior.
Aglomerado de galáxias Abell 370.Fonte: NASA/ESA/Hubble
Essas regiões foram descobertas em 1978 e possuem diâmetros que variam entre 10 e 400 milhões de anos-luz. Acredita-se que a origem desses vazios remonte às pequenas flutuações na densidade de matéria no universo primordial, quando ele tinha menos de 1 milhão de anos de idade.
Dentro desses enormes vazios, eventualmente encontra-se uma ou outra galáxia solitária, desafortunada em relação a maioria das outras no Cosmos. Um dos exemplos mais notáveis desse fato é a galáxia MCG+01-02-015, a única ao longo de 100 milhões de anos-luz em qualquer uma das suas direções. Isso faz dela a galáxia mais solitária do Universo já descoberta e, graças à ciência, é possível prever qual e como será o seu destino final.
Representação esquemática de vazios cósmicos entre superaglomerados de galáxias.Fonte: Wikimedia/u/Zephyrex
Distante cerca de 290 milhões de anos-luz da Via Láctea, MCG+01-02-015 é uma enorme galáxia espiral que está localizada na direção da constelação de Peixes no céu noturno. Ela está tão distante de qualquer outra galáxia que, se a nossa galáxia estivesse em seu lugar, a humanidade só teria descoberto a existência de outras galáxias na década de 60 (isso foi confirmado em 1923), com o advento dos telescópios mais sofisticados e potentes.
Diferente do que acontecerá com outras galáxias, a MCG+01-02-015 verá os grupos e aglomerados galácticos distantes se afastarem cada vez mais, acelerando para cada vez mais longe. Ela permanecerá isolada, formando estrelas em grandes quantidades ao longo das regiões que revestem seus braços espirais pelo tempo em que houver material novo para formar novas gerações estelares.
Nas próximas dezenas de bilhões de anos, todas as galáxias que podem ser vistas irão acelerar, deixando apenas alguns fótons para trás. Depois de 100 bilhões de anos, os astrônomos de alguma civilização em MCG+01-02-015 não terão nenhuma indicação observacional de que outras galáxias já existiram. A taxa de formação de novas estrelas cairá e continuará caindo, até que todas as estrelas terão queimado todo o seu combustível. As anãs brancas remanescentes, restos mortos da maioria dessas estrelas, acabarão desaparecendo para se tornarem anãs negras, à medida que esfriam para se tornarem completamente invisíveis. Nesse ponto, a galáxia será dada como “morta”.
MCG+01-02-015Fonte: NASA/ESA/Hubble
Por fim, depois de eras e eras no futuro distante, a galáxia mais solitária do Universo aparecerá completamente vazia. Nenhuma estrela, nenhum remanescente estelar, nenhum cadáver planetário ou mesmo buracos negros deverão permanecer. Porém, ainda assim, ela existirá. Alguém que pudesse medir a curvatura do espaço-tempo do Universo ou de alguma forma detectar matéria escura (ou, mais tecnicamente, neutrinos de energia ultrabaixa) encontraria um grande halo de massa e difuso que persistirá por muito mais tempo do que qualquer outra estrutura feita de matéria ordinária.
Dessa forma a solitária MCG+01-02-015 terá, a exemplo de todas as fases de sua vida, um final solitário.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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