*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Cerca de 100 anos atrás, as fronteiras do Universo conhecido se restringiam aos limites da nossa própria galáxia. Embora observações de outras galáxias distantes já haviam sido feitas ao longo dos séculos anteriores à década de 1920, não havia ainda uma forma confiável de medir distâncias para saber se aqueles corpos pertenciam ou não à Via Láctea.
Esse problema foi resolvido em 1923 por Edwin Hubble, astrônomo estadunidense que, ao usar os resultados matemáticos encontrados por Henrietta Leavitt, também astrônoma estadunidense, verificou que certos corpos celestes observados eram, de fato, outras galáxias individuais e distantes para além da nossa.
Galáxia de Andrômeda, a primeira galáxia a se medir a distânciaFonte: Hubble/ESA/NASA
As surpresas trazidas pelas descobertas feitas durante esse período, contudo, não pararam por aí. O padre e astrônomo belga, Georges Lemaître, e novamente, Edwin Hubble, descobriram no final da década de 1920 que, quanto mais distante as galáxias estavam, mais rapidamente elas se afastavam umas das outras, apresentando pela primeira vez uma evidência de que o Universo estava em expansão, ao contrário da ideia que prevalecia na época de que o mesmo era estático. Essa foi uma das principais descobertas científicas do século XX e levou à busca do Santo Graal da Cosmologia naquele tempo: a taxa da expansão cósmica, chamada tecnicamente de constante de Hubble.
Nos anos que se seguiram à essa descoberta, os astrônomos se esforçaram para determinar qual é o valor dessa taxa de expansão que, por sua vez, produziria como resultado a idade do Universo. Para isso, foi necessária a construção de uma série de métodos de determinação de distâncias em grandes escalas, utilizando fontes no céu como marcadores precisos, objetos aos quais os astrônomos possuem confiança suficiente acerca do seu brilho intrínseco, ou seja, na luz que eles emitem.
Gráfico original de Hubble apresentando a expansão do Universo.Fonte: Hubble/Penn State College
Ao longo desse tempo, diferentes grupos, utilizando diferentes instrumentos e técnicas, mediram diferentes taxas, levando a uma série de controvérsias. Por exemplo, na época em que o Telescópio Espacial Hubble (HST, da sigla em inglês) foi lançado ao espaço, no ano de 1990, as observações desses marcadores celestes levavam a uma taxa de expansão do Universo que era tão incerta que sua idade poderia ser estimada tanto em 8 bilhões de anos quanto em 20 bilhões de anos.
Com os dados trazidos pelo HST, essa situação melhorou significativamente e levou a descoberta, em 1998, de que essa expansão ocorre de forma acelerada, isto é, fica cada vez mais rápida à medida que o tempo passa. A causa dessa aceleração parece ser o que chamamos de energia escura, uma misteriosa fonte de força repulsiva.
Além disso, ao longo de mais de 30 anos de trabalho meticuloso usando o extraordinário poder de observação do HST, diversas equipes de astrônomos têm aprimorado a estimativa da constante de Hubble, reduzindo sua imprecisão para cerca de 1%. Isso pode ser usado para estimar que o Universo possui aproximadamente 13,8 bilhões de anos e que ele dobrará de tamanho em 10 bilhões de anos.
Campo profundo do HST.Fonte: ESA/Hubble
Contudo, ainda hoje permanece uma discrepância entre a taxa de expansão medida no universo local e aquela obtida com observações independentes do Universo logo após o Big Bang. A um olhar superficial essa discrepância pareceria pequena, já que os valores previstos são relativamente próximos entre si, porém, do ponto de vista teórico, além de dar uma grande dor de cabeça aos cosmólogos, a causa dessa discrepância permanece um grande mistério e pode estar relacionada a algo estranho e totalmente novo, capaz de produzir uma física inédita.
Esse problema continua um mistério porque a taxa de expansão foi prevista para ser mais lenta do que os dados do HST realmente indicam. Ao combinar o Modelo Cosmológico Padrão, o principal modelo teórico que descreve o Universo com as medições da missão PLANCK da Agência Espacial Européia (ESA, da sigla em inglês) que observou a radiação cósmica de fundo, os astrônomos prevêem um valor mais baixo para a constante de Hubble do que as estimativas feitas com os dados do HST.
Representação esquemática da medição da taxa de expansão cósmicaFonte: NASA
O problema é que, por conta do volume de dados observados com o HST, a chance da equipe de astrônomos que trabalha com esses dados estarem errados, do ponto de vista estatístico, é de apenas uma chance em um milhão.
Os capítulos futuros dessa história deverão ser escritos quando o novo Telescópio Espacial James Webb (JWST, da sigla em inglês) da NASA estiver inteiramente operacional. O JWST estenderá o trabalho do Hubble, observando os marcadores celestes em distâncias ainda maiores e com uma resolução ainda mais alta do que o seu predecessor consegue obter, trazendo assim, novas descobertas e, quem sabe, novos problemas.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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