*Este texto foi escrito por uma colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Você sabe o que existe no centro da Via Láctea?
Começamos a investigar a Via Láctea quando Galileu Galilei, em 1610, apontou um dos primeiros telescópios para o céu noturno. Ele percebeu que o rastro esbranquiçado no céu da noite que pensávamos ser nuvens eram, na verdade, milhares de estrelas individuais.
Com o passar dos séculos, nosso entendimento da Via Láctea e de outras galáxias se expandiu consideravelmente. Entendemos que não estamos no centro da Galáxia, mas sim a 27 mil anos-luz de distância dele. Entendemos que nossa galáxia é relativamente comum e parecida com outras galáxias vizinhas, como Andromeda. E entendemos que todas as galáxias possuem um buraco central supermassivo (SMBH, em inglês). E o nosso SMBH?
A busca pelo entendimento do nosso SMBH, chamado Sgtr A*, avançou junto com o desenvolvimento tecnológico. Utilizando o telescópio de 8.2m VLT (Observatório Europeu do Sul, ESO), localizado no Chile, por mais de 10 anos, cientistas mapearam as estrelas no centro da Via Láctea e conseguiram inferir propriedades importantes de Sgtr A* e, principalmente, que a unica possibilidade seria a existencia de um buraco negro supermassivo.
Esses resultados foram tão importantes para a ciência que resultou no prêmio Nobel de Física de 2020 para Andrea Ghez (uma das poucas mulheres a receber um Nobel), Roger Penrose e Reinhard Genzel. No vídeo abaixo podemos ver os dados das estrelas orbitando nosso SMBH.
Apesar de absolutamente incrível, ainda não tínhamos uma imagem direta de um buraco negro. Mas isso mudou em 10 de Abril de 2019, com a imagem do consórcio EHT (Event Horizon Telescope) do SMBH da galáxia M87, uma galáxia super massiva vizinha.
Primeira imagem direta de um buraco negro supermassivo, da galáxia M87.Fonte: Colaboração EHT
Mas como podemos observar um buraco negro, se por definição buraco negro é uma região com gravidade tão densa que a luz não consegue escapar? Bem, o que observamos diretamente é a última região antes do buraco negro, que chamamos de horizonte de eventos.
Um buraco negro que está crescendo, terá um disco de material o orbitando. Existe uma distância limite que esse material, e a luz, podem escapar, que é o horizonte de eventos. Qualquer material mais próximo do buraco negro que o horizonte de eventos está fadado a nunca mais escapar. E é o disco de material que observamos em 2019.
Finalmente chegou a vez do nosso buraco negro, Sgtr A*. Ele tem uma massa de 4 milhões de massas solares em um raio de 6 milhões de quilômetros, o que corresponde a 15 vezes a distância entre a Lua e Terra. Observar Sgtr A* com o consórcio EHT é como observar uma bola de Ping Pong a uma distância da Lua!
Primeira foto de SgrtA*Fonte: Colaboração EHT
O que é o EHT?
Logo da colaboração EHTFonte: EHT
O EHT (Event Horizon Telescope - Telescópio Horizonte de Eventos), é um consórcio internacional que envolve vários telescópios que já existem com o propósito de observar diretamente buracos negros supermassivos. O consórcio envolve mais de 350 cientistas e mais de 100 institutos pelo mundo, com telescópios localizados América do Norte e do Sul, Europa, África Austral e Ásia Oriental.
O telescópio usa uma técnica chamada de interferometria que consiste em combinar o sinal captado por diversos telescópios e uni-los, criando virtualmente um telescópio com o tamanho da Terra. A colaboração começou em 2015 e conta com grandes antenas, como o telescópio ALMA, localizado no Chile.
A fim de evitar contaminação da atmosfera da Terra, as antenas estão localizadas em locais de grande altitude, distantes, e com climas áridos.
Localização de algumas antenas envolvidas na colaboração EHTFonte: EHT
Camila de Sá Freitas, colunista do TecMundo, é bacharel e mestre em astronomia. Atualmente é doutoranda no Observatório Europeu do Sul (Alemanha). Autointulada Legista de Galáxias, investiga cenários evolutivos para galáxias e possíveis alterações na fabricação de estrelas. Está presente nas redes sociais como @astronomacamila.
Categorias