*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Durante toda a história humana, desde os tempos remotos muito anteriores à invenção dos telescópios, a Lua representou um convite a olharmos para cima.
O contraste natural do brilho da sua superfície com a escuridão do céu noturno foi tema de incontáveis histórias, poemas, canções e declarações de amor ao longo dos séculos. Contudo, para além da expressão artística, pela maior parte desse tempo a Lua representou também um enigma ao nosso intelecto.
O que é realmente essa esfera iluminada? Do que é feita? O que são as manchas irregulares e escuras que vemos nela? Que mecanismo rege o padrão do reflexo da luz solar em sua superfície ao longo do mês? Como surgiu?
A Lua em fase crescenteFonte: APOD/Miguel Claro
Respostas iniciais a esses questionamentos nascem quando o intelecto humano era ainda povoado em grande parte pelo pensamento mágico e mitológico. A cultura e o folclore mundial são repletos de habitantes lunares, homens comuns e nobres princesas, deuses, dragões e outras criaturas fantásticas. Há até quem diga que ela é feita de queijo.
Contudo, apenas depois da invenção dos primeiros telescópios e da aplicação do seu uso para a observação celeste, feita pela primeira vez pelo célebre astrônomo italiano, Galileu Galilei (1564 - 1642), muitos desses enigmas passaram a ser respondidos também dentro da perspectiva científica.
A Lua é o nosso único satélite natural e um dos maiores do Sistema Solar, ocupando a prestigiosa quinta posição em tamanho. Embora não possua luminosidade própria, depois do Sol, é o objeto celeste mais brilhante aos nossos olhos, justamente por refletir a luz solar em sua superfície. As manchas escuras em seu solo são mares vulcânicos repletos de montanhas e crateras de impacto proeminentes.
Os principais mares lunares na face visível da LuaFonte: Tau?olunga/English-language Wikipedia
É também o único lugar fora da Terra onde os seres humanos já puseram os pés, um feito impressionante para nossa espécie. Os programas espaciais originados no contexto histórico da Guerra Fria foram responsáveis por levar o primeiro instrumento não-tripulado até lá em 1959 (pelo Programa Luna da União Soviética), tiveram seu auge no primeiro pouso tripulado em 1969 (pela missão da Apollo 11 da NASA) e continuam se desenvolvendo e enviando sondas espaciais ainda hoje.
A história de formação da Lua remonta aos primórdios do próprio Sistema Solar. Logo após o Sol começar a brilhar, os planetas rochosos e gasosos também começaram a se formar. Contudo, levou cerca de 50 milhões de anos desde esse momento inicial para a Lua entrar em cena. Sobre os detalhes dessa história, têm sido propostos vários mecanismos para explicar a formação lunar, porém três hipóteses figuram como as principais: a hipótese da co-formação, a hipótese da captura e a hipótese do grande impacto.
Representação artística da formação do Sistema SolarFonte: Pat Rawlings/NASA.
A hipótese da co-formação, como indicado pelo próprio nome, é um modelo teórico que afirma que a Lua e a Terra se formaram ao mesmo tempo no disco protoplanetário. As partículas que originaram ambas teriam, então, se condensado aproximadamente no mesmo instante, formando os dois corpos com dinâmicas orbitais já previamente estabelecidas. Segundo esse modelo, a Lua teria uma composição muito semelhante à da Terra o que é verdade, pois ambas compartilham, em essência, do mesmo material. Entretanto, a Lua é significativamente menos densa do que nosso planeta, o que provavelmente não seria o caso se ambas começassem com a mesma classe de elementos pesados em seu núcleo.
A hipótese da captura afirma que a Lua era um “corpo errante” que foi preso à gravidade da Terra, de igual modo à outras luas do Sistema Solar, como as duas luas marcianas, Fobos e Deimos. Segundo esta hipótese, um corpo rochoso formado em qualquer parte poderia ter sido colocado em órbita ao redor da Terra, o que poderia explicar as diferenças na densidade de ambas, mas não a composição química similar entre elas. Além do mais, a Lua é quase perfeitamente esférica, o que dificulta a aceitação dos astrônomos a essa hipótese, já que a maioria dos corpos celestes “errantes” possui formato irregular.
Embora essas duas hipóteses sejam válidas e expliquem alguns aspectos observados e analisados da Lua, ambas deixam uma série de questões em aberto, o que nos leva para a última e mais bem aceita hipótese de formação lunar.
Concepção artística da colisão entre a Terra e Theia.Fonte: NASA/JPL
O modelo prevalecente atualmente, a hipótese do grande impacto, sugere que a Lua se formou de forma violenta, quando um objeto de dimensões planetárias chamado de Theia colidiu com a Terra primitiva. O resultado desse impacto catastrófico projetou material de ambos os corpos que se aglutinaram até formar a Lua.
Entretanto, a hipótese do grande impacto também tem seus desafios. A maioria dos modelos computacionais que seguem essa linha sugerem que mais de 60% da Lua deveria ser composta do material de Theia. Mas, como dissemos, em termos de composição, a Terra e a Lua são quase gêmeas: suas composições diferem em, no máximo, poucas partes em um milhão.
Essa e outras questões serão respondidas à medida que novas amostras do solo lunar forem analisadas, uma vez que estes resultados podem produzir novas respostas que tendem a solidificar cada vez mais o nosso entendimento de como a maravilha celeste mais próxima de nós veio a surgir.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
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