*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Quando olhamos para o céu noturno, especialmente nas ocasiões em que estamos distantes dos grandes centros urbanos e a quantidade de estrelas no céu é incontável, é praticamente inevitável não nos sentirmos pequenos diante da vastidão do Universo que está além.
Sob a perspectiva das escalas astronômicas, tudo parece pequeno em relação a alguma coisa. O planeta Terra parece pequeno em comparação a Júpiter que, por sua vez, parece pequeno em relação ao Sol. Mesmo o Sol será pequeno quando comparado às estrelas supergigantes na Via Láctea.
Galáxia de Andrômeda, distante 2,5 milhões de anos-luz da TerraFonte: Robert Gendler
As galáxias, essas gigantescas coleções celestes de estrelas, poeira, gás e matéria escura, povoam o Cosmos por inteiro e estão por todo o lugar. Embora a maioria absoluta delas sejam invisíveis aos nossos olhos, quando os cientistas investigam o nosso Universo observável que se estende por dezenas de bilhões de anos-luz em todas as direções, verificam que nele contém um número incrivelmente grande de galáxias.
Mas incrivelmente grande quanto? Quantas galáxias existem no Universo? Contar uma a uma parece uma tarefa impossível e, posso garantir, ninguém jamais fez isso.
Desde que foram descobertas há quase um século, no início da década de 20, os astrônomos fizeram essa mesma pergunta repetidas vezes, porém sem avanços significativos na obtenção de uma resposta sólida. Isso só veio a acontecer graças ao Telescópio Espacial Hubble, lançado no início de 1990, que levantou as cortinas e abriu as janelas do Universo para a humanidade.
Os astrônomos apontaram o Hubble, que até então era o instrumento óptico mais poderoso da história, para uma pequena região escura do céu, aparentemente desprovida de estrelas ou de qualquer galáxia conhecida. Nessa visão do nada, o Hubble viu algo que espantou os cientistas ao longo de todos os anos seguintes: o vazio estava repleto de galáxias!
A região vazia no céu, demarcada na caixa em L amarela, observada para a obtenção da imagem do Hubble Deep FieldFonte: NASA/STSCi
Essa imagem se tornou imediatamente mundialmente famosa e ficou conhecida como Hubble Deep Field. Ela apresenta uma amostra de um Universo repleto de matéria aglutinada em diversas formas e de muitas idades.
Imagem do Hubble Deep Field.Fonte: NASA/Hubble
Ora, se esse pequeno ponto contém inúmeras galáxias, imagine quantas a mais poderiam ser encontradas em outros pontos? Passou-se, então, a observar um número cada vez maior de galáxias, principalmente devido à nova capacidade de se detectar aquelas menores, de brilho mais fraco e mais distantes.
Um dos exemplos mais recentes desse fato é o Hubble eXtreme Deep Field (XDF), uma imagem feita pela combinação de 10 anos de observações do Hubble, registradas entre 2002 e 2012. A área do XDF no céu equivale a aproximadamente o tamanho da cabeça de um alfinete e, ainda assim, revelou outras milhares de galáxias, tanto as mais próximas como as muito distantes, tornando-se a imagem mais profunda do Cosmos já feita até então.
Imagem do Hubble eXtreme Deep FieldFonte: NASA/Hubble
Esses resultados permitiram aos astrônomos estimarem a população galáctica em um número entre 100 e 200 bilhões. Digo um “número entre” porque números absolutos são um problema, uma vez que, como a contagem chega aos bilhões, além de levar um certo tempo para fazer a soma, o valor depende dos parâmetros que são adotados nas estimativas.
Porém, estimativas mais modernas e recentes são ainda mais grandiosas: existem no Universo cerca de dois trilhões de galáxias! Isso mesmo. O número 2 seguido de doze zeros. Mas como chegamos a esse valor?
Bom, podemos chegar a um limite inferior realizando uma conta relativamente simples: se uma observação do telescópio Hubble cobre uma determinada área x do céu e nessa região há uma quantidade y de galáxias, bastaria, então, multiplicar o número de galáxias y pela quantidade total de área x que seria necessário para cobrir o céu inteiro. Porém, estimativas robustas são mais complexas que isso. Elas levam em consideração fatores fundamentais como, por exemplo, os modelos de formação das estruturas no Universo.
Representação esquemática da evolução de galáxiasFonte: NASA/ESA/A. Feild.
Basicamente, se executarmos uma simulação que considere os ingredientes que compõem o Universo, as condições iniciais corretas de quando ele teve início, e as leis da física que descrevem a natureza, podemos, além de simular como esse sistema evolui, estimar como e quando as estrelas se formam e, consequentemente, fazer o mesmo com as galáxias.
Através de uma simulação assim, é possível obter um número que não é um limite inferior, mas sim uma estimativa confiável do número de galáxias contidas em nosso Universo observável: um valor notável da ordem do trilhão.
Os próximos passos na montagem deste grande quebra-cabeça cósmico serão dados pelo Telescópio Espacial James Webb e a próxima geração de observatórios terrestres, como os do Observatório Vera Rubin e o Extreme Large Telescope (ELT). Em conjunto, os dados desses instrumentos serão capazes de revelar ainda mais do Universo que é invisível ainda hoje.
Seriam 2 trilhões de galáxias o número do próximo limite inferior?
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.
Categorias