Um ato ordinário para um pássaro, um grande passo para a ciência. Cientistas conseguiram recriar o canto de uma ave apenas com a ajuda da leitura de sua atividade cerebral. As vocalizações foram reproduzidas por uma máquina no tom, volume e timbre originais. O estudo pode ser o primeiro passo para o desenvolvimento de próteses vocais destinadas a humanos que perderam a capacidade de fala. Os resultados do estudo foram publicados na revista científica Cell, no dia 16 de junho.
Rede neural simples
Segundo o resumo do estudo, pássaros canoros – aqueles que possuem cantos harmoniosos – são capazes de cantar canções complexas aprendidas por eles. Os cientistas responsáveis pelo estudo descobriram que um modelo do órgão vocal dos pássaros é capaz de sintetizar a melodia normalmente produzida pelos animais por meio de poucos parâmetros de controle. Foi assim que a equipe sintetizou a música conduzida pelos neurônios do pássaro: com uma rede neural simples.
Resumo gráfico do experimento com pássaros canoros, publicado na revista Cell.Fonte: Revista Cell/Reprodução
Em uma conversa no fórum de discussão Reddit, o segundo autor do estudo, sob o apelido "brokenarcher", explicou detalhes do artigo. Para ele, que foi responsável pela arquitetura da rede neural, embora as descobertas de sua equipe sejam promissoras, há um nível bem maior de complexidade na aplicação da tecnologia no caso de seres humanos.
As Interfaces Cérebro-Máquina (ICM) são a promessa para pessoas com a função motora prejudicada e servem como ferramentas poderosas para estudar a aprendizagem de habilidades motoras. Mas os cientistas afirmaram que as próteses de fala ainda precisam de um modelo animal semelhante, além de serem mais limitadas em termos de tecnologia de interface neural, cobertura do cérebro e desenho de estudo comportamental.
Os pássaros canoros foram escolhidos como modelo de comportamento vocal complexo porque, segundo a equipe, seus cantos compartilham uma série de semelhanças únicas com a fala humana. O estudo captou a visão geral dos múltiplos mecanismos e circuitos que estão por trás do aprendizado, execução e manutenção da habilidade motora vocal e a certeza de que a biomecânica da produção de canções em pássaros é semelhante à da fala dos humanos e de alguns primatas não humanos.
Como o estudo foi realizado
O pássaro utilizado no estudo foi o tentilhão-zebra.Fonte: Pixabay
A equipe desenvolveu um sintetizador vocal para o canto dos pássaros utilizando mapeamento das atividades neurais, usando métodos computacionais simples que são implementáveis em tempo real. As atividades foram registradas a partir de matrizes de eletrodos implantados no núcleo pré-motor das aves. O uso de um modelo biomecânico generativo do órgão vocal (denominado siringe) permitiu a síntese de vocalizações que correspondem ao próprio canto do pássaro.
Conforme o artigo, os resultados forneceram uma prova de conceito de que comportamentos naturais complexos e de alta dimensão podem ser sintetizados diretamente a partir da atividade neural em andamento, ou seja, o estudo pode inspirar abordagens semelhantes para próteses em outras espécies, aproveitando o conhecimento dos sistemas periféricos e da estrutura para sua produção.
Como replicar o estudo em humanos?
No caso dos pássaros, as atividades neurais foram registradas por eletrodos que foram implantados diretamente em seus cérebros, o que – segundo o autor – seria superinvasivo e de forma alguma seria aprovado no caso de testes em humanos. O cientista acredita que, neste caso, seria preciso utilizar eletroencefalografia (EEG) ou outra tecnologia não invasiva para mapear a dinâmica cerebral da fala.
O pesquisador também afirmou que o canto dos pássaros é relativamente simples em comparação com a fala humana, especialmente na espécie utilizada no estudo (o tentilhão-zebra), que, para ele, tem um padrão de canto muito estereotipado. A equipe agora está trabalhando em espécies de pássaros com cantos mais complexos.