A epidemia de covid-19 mudou a forma como a ciência é feita em todo o planeta. Para se adaptar ao momento, a comunidade científica precisou ser rápida e com foco em resultados, unindo-se como nunca: compartilhando ideias e dados, buscando saídas, testando medicamentos e criando vacinas em tempo recorde. Tudo isso aconteceu graças ao compartilhamento imediato e transparente, segundo o cientista William A. Haseltine, em artigo publicado em 25 de maio na Scientific American.
Pesquisas foram desenvolvidas rapidamente durante a pandemia, segundo cientista.Fonte: Pixabay
Haseltine tem lugar de fala: além de empresário do ramo de Biotecnologia, autor e filantropo americano, ele é conhecido por seu trabalho inovador em HIV/AIDS e no genoma humano. Foi professor na Harvard Medical School, onde fundou dois departamentos de pesquisa sobre câncer e HIV/AIDS, bem como é presidente da ACCESS Health International – instituição sem fins lucrativos que ajuda na criação de projetos globais pela implementação de melhorias em sistemas de saúde.
Para ele, a ciência é um dos campos que mais se transformou com a covid-19: "A pandemia criou um ambiente de pesquisa inteiramente novo, que agora está estruturado para colaboração e comunicação acima de tudo". Segundo o cientista, a revolução foi inspirada na transparência inicial dos primeiros pesquisadores e depois institucionalizada.
Revolução no compartilhamento de dados científicos
Primeiro, foi a China. Semanas após o primeiro caso de covid-19, os cientistas do país descobriram qual vírus estava causando a doença; em seguida, decodificaram o genoma inicial do vírus e publicaram a sequência em um fórum de discussão online. Esses mesmos cientistas encorajaram um pesquisador na Austrália a publicar a descoberta no Twitter e a espalhar para o mundo.
Nas primeiras 24 horas após a publicação, um biólogo evolucionista da Escócia descobriu semelhanças entre o vírus e o Sars-CoV-1 e também compartilhou as descobertas imediatamente, online. Um pesquisador nos Estados Unidos publicou abertamente a árvore filogenética do novo vírus, enquanto outro iniciou a engenharia reversa de um vírus vivo a partir da sequência compartilhada.
"Isso permitiu que cientistas de todo o mundo soubessem que os primeiros passos para desenvolver um teste de anticorpos já estavam em andamento", explicou Haseltine.
Mudanças na comunidade acadêmica
O professor contou como foi o processo de adaptação à pandemia na Harvard Medical School, que reuniu 20 universidades, escolas médicas e institutos de pesquisa da região de Boston para criar o Consórcio de Massachusetts de Prontidão para Patógenos (MassCPR). O objetivo inicial era unir forças de pesquisadores na China para eliminar a ameaça emergente, com a esperança de aprender com esse surto a construir respostas mais rápidas em futuras emergências.
"A comunidade científica em Boston normalmente trabalha de maneira relativamente isolada, com barreiras construídas entre departamentos, disciplinas e instituições inteiras. Mas com a covid-19 e o MassCPR essas 'portas' entre os institutos foram rapidamente abertas", relatou Haseltine.
O MassCPR passou a financiar dezenas de novos projetos de pesquisa, que levaram a avanços em epidemiologia, patogênese e imunopatologia da covid-19. Em 2020, os médicos do consórcio escreveram diretrizes de gerenciamento clínico que influenciaram o atendimento de pacientes de todo o mundo. Os pesquisadores do time conceituaram, projetaram e desenvolveram a vacina de dose única da Johnson & Johnson e lideraram os ensaios clínicos para a Moderna.
De olho no amanhã
Embora os pesquisadores permaneçam firmemente focados no agora, eles também estão olhando para o amanhã, atentos a novas variantes virais. "Devemos refinar nossas estratégias de prevenção, criando um arsenal de tratamentos, desenvolvendo novos medicamentos antivirais, terapias panvirais e vacinas polivirais", afirmou o reitor da Harvard Medical School, George Daley. O grupo também tenta antecipar as realidades pós-pandêmicas, com o MassCPR 2.0, que vai estudar a síndrome pós-covid-19.
Haseltine lembra outras parcerias globais importantes que surgiram em 2020: o ACT Accelerator e seu pilar de vacinas, o Covax. Focado em acelerar o desenvolvimento e a produção de testes, tratamentos e vacinas contra covid-19, o ACT tentar garantir que todas as pessoas e países possam acessar e pagar pelos "milagres da ciência", uma vez que, como lembrou o cientista, países de baixa renda ainda estão lutando para determinar como adquirir e pagar pelas vacinas, bem como as distribuir de forma justa.
Embora alguns periódicos científicos tenham admitido que podem precisar desacelerar o processo de aceitação de novos artigos para garantir a qualidade do trabalho – foram cerca de 75 mil relacionados ao tema entre o início da pandemia e novembro de 2020 –, para Haseltine, o conhecimento adquirido pela comunidade sem dúvida superou os riscos.
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