Qual é a relação do coronavírus com a oncogenética?

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Na Medicina, já foram descritos  mais de 80 síndromes diferentes que aumentam o risco para o câncer. A oncogenética identifica quais são as famílias em risco e estabelece estratégias de rastreamento precoce de tumores direcionadas especificamente para cada paciente. Como saber se a sua família tem alto risco? A médica oncogeneticista do Hospital Sírio-Libanês, Dra. Maria Isabel Achatz, nos auxilia nesse conteúdo.

O progresso da Medicina

Nas últimas décadas, o desenvolvimento da oncogenética  permitiu  a caracterização das síndromes de predisposição hereditária ao câncer. Esses quadros estão diretamente relacionados à ocorrência de 5% a 10% de todos os cânceres humanos.

Famílias com muitos casos de câncer, do mesmo tipo ou de tipos diferentes, sempre devem ser avaliadas por um médico geneticista quanto à possibilidade de serem portadoras de alguma alteração genética. Além disso, a ocorrência de câncer em idade mais jovem,  de múltiplos tumores que não sejam resultantes de metástases ou com a presença de tumores considerados raros, também exige atenção. Hoje, sabe-se que até mesmo casos de câncer de mama em mulheres abaixo dos 45 anos, de câncer de ovário ou de pâncreas em qualquer idade podem ser a primeira manifestação de uma síndrome hereditária de predisposição ao câncer.

Exames de rotina foram adiados devido à pandemia

Por causa da pandemia da covid-19, muitas pessoas deixaram de realizar seus exames de rotina e cancelaram consultas eletivas. No caso desses pacientes, não é recomendável postergar o acompanhamento. É preciso, sobretudo, ter muito cuidado antes de cancelar qualquer exame de rastreamento regular, sempre pedindo orientação médica.

A confirmação do diagnóstico ocorre por meio de testes genéticos. Eles são fundamentais para a caracterização de qual síndrome hereditária está levando ao aumento de risco na família. No passado, o custo desses testes era muito alto e, por esse motivo, inacessível a muitas famílias. Hoje, com a técnica de sequenciamento de próxima geração, do inglês next-generation sequencing, podemos realizar a custo mais acessível testes genéticos e painéis moleculares para vários genes ao mesmo tempo, muitas vezes até com a cobertura de convênio de saúde.

Definir qual é a variante genética causadora da síndrome no indivíduo vai permitir ações fundamentais na atenção ao paciente portador de alto risco para o câncer. Sabendo exatamente qual é o gene em que a alteração está localizada, poderão ser definidas estratégias de rastreamento por meio de exames direcionados. Isso facilita o diagnóstico precoce, evitando, muitas vezes, a necessidade de grandes cirurgias e a necessidade de tratamentos com quimioterapia e radioterapia.

Outro ganho importante é a possibilidade de definição de tratamentos de precisão direcionados a alterações genéticas em genes específicos, como BRCA1 ou BRCA2. Em pacientes com câncer de ovário, portador de mutações ou variantes patogênicas nesses genes, é possível a indicação do uso de drogas inibidoras da via da PARP, com perspectivas de uma resposta mais eficaz que a obtida em pacientes não portadores.

Por fim, podemos rastrear os pacientes que têm riscos excessivamente altos para o desenvolvimento de câncer, muitas vezes maiores que 80%. Em casos bem específicos, há a possibilidade de recorrer a cirurgias redutoras de risco ou a cirurgias profiláticas. Nesses casos, a agilidade no diagnóstico molecular pode ser crucial para auxiliar na definição da conduta cirúrgica.

O que os médicos recomendam?

É fundamental que pacientes de alto risco, com histórico pessoal ou familiar sugestivo de alguma dessas síndromes busquem o aconselhamento genético especializado, que deve ser realizado antes mesmo de ser solicitado o teste genético. Esse aconselhamento vai avaliar a conveniência da realização de testes genéticos, discutindo as implicações e limitações, abordando informações a respeito do mecanismo da herança genética e do risco de transmissão de síndromes de câncer hereditário. Como esse momento envolve questões psicológicas muito importantes, como culpa e medo, que podem ter impacto imediato ou futuro, muitas vezes é recomendado acompanhamento psicológico adicional.

No início da pandemia, estimou-se que o risco de atrasar exames de rastreamento por alguns meses provavelmente não iria superar os riscos da exposição ao vírus nas visitas aos consultórios e hospitais. No entanto, com a persistência da covid-19 e a falta de previsão clara para a normalização dos serviços de saúde, é desaconselhado prolongar indefinidamente tal situação. Assim que possível, as vacinas devem ser tomadas por pacientes de alto risco, segundo as mesmas diretrizes gerais estabelecidas pelas autoridades de saúde.

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Dr. Luiz Fernando Reis, colunista quinzenal no TecMundo, é diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, área responsável pela geração, aplicação e disseminação de conhecimento que traz valor para a sociedade brasileira e fomenta uma melhor prática de assistência à saúde. Formado em Bioquímica pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, Luiz é doutor em Microbiologia e Imunologia pela New York University School of Medicine (Estados Unidos) e pós-doutor em Biologia Molecular pela Universidade de Zurique (Suíça).

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