É com grande satisfação e euforia que temos recebido a notícia da aceleração da vacinação no Brasil. Há o vislumbre de que finalmente poderemos nos livrar do mal da pandemia que interfere diretamente no dia a dia. Mas será mesmo?
Um artigo da respeitada revista científica Nature traz o título traduzido: “Cinco razões pelas quais a ‘imunidade de rebanho’ é provavelmente impossível”. Um dos principais motivos é que a “imunidade de rebanho” não é uma linha de chegada, mas um estado temporário e dinâmico, que sofrerá ameaças constantes das novas variantes e da queda natural da imunidade – gerada por infecção ou pela vacina – que ocorre ao longo do tempo. E, mesmo assim, ainda não há garantia de que as vacinas serão capazes de induzir a “imunidade de rebanho” (mesmo que temporariamente), já que a eficácia para prevenir a transmissão ainda não está clara.
Quais são as alternativas?
Então não há saída? Claro que há. O Vietnã está com 0,05% da população vacinada; Nova Zelândia, 1,4%; Coréia do Sul, 1,7%; Austrália, 2,6%. E não estão com pressa de vacinar. Isso porque são países que encontraram formas sustentáveis de controlar a circulação viral. Além das conhecidas medidas, uso de máscaras, distanciamento físico e higienização das mãos, esses países implantaram duas medidas-chave para evitar os temidos lockdowns: testagem em massa de verdade e controle de fronteiras.
A testagem em massa não é simplesmente aumentar o número de testes; isso é consequência. O segredo é ampliar a indicação, pois amplificar testes objetivando somente diagnóstico de casos suspeitos tem efeito muito pequeno na redução da transmissibilidade. Aumentar a prescrição, inclusive para contatos de casos confirmados, e testar regularmente assintomáticos de alto risco faz a capacidade de identificação de transmissores acontecer de forma mais rápida, ocorrendo a redução de propagação da doença. Para esses objetivos, testes rápidos de antígeno, mesmo que menos sensíveis para fins diagnósticos, permitem a extensão da testagem e a rapidez do resultado.
O controle de fronteiras é feito por meio da quarentena e de testes em 100% dos indivíduos que chegam de outros países. Lembrando que a variante P.1, oriunda do Amazonas, foi identificada no Japão por causa de teste nos viajantes brasileiros que partiram de Manaus.
Respondendo ao título do artigo: de acordo com o Institute for Health Metrics and Evaluation, o Vietnã apresenta uma estimativa de 0,02 caso por milhão de habitantes, sem vacinação. Estima-se que o Brasil esteja com 120 casos por milhão de habitantes, ou seja, há uma chance 6000 vezes maior de se estar com o vírus no Brasil se comparado ao Vietnã.
Considerando que os imunizantes CoronaVac e AstraZeneca reduzem em 50,4% e 62% respectivamente as chances de infecção sintomática, o benefício gerado pela vacina é infinitamente inferior ao risco aumentado de exposição que existe atualmente no Brasil. Antes de brigar por vacina, deveríamos nos indignar por não estar na situação em que o Vietnã está.
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Bernardo Almeida, colunista do TecMundo, é médico infectologista e chief medical officer da Hilab, health tech que desenvolveu o Hilab, primeiro laboratório descentralizado usando testes laboratoriais remotos. É especialista em Infectologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com residência em Clínica Médica, Medicina Interna e Infectologia no Hospital de Clínicas, e mestrando em Medicina Interna pela mesma universidade, na área de Doenças Infecciosas — Epidemiologia das Síndromes Respiratórias Agudas Graves em Adultos. Tem experiência em clínica médica e doenças infecciosas e parasitárias e participa de grupos de pesquisa sobre vírus respiratórios.
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