Em 28 de fevereiro, o Brasil lançou ao espaço o satélite Amazônia 1, o primeiro 100% desenvolvido pelo país. O projeto foi tocado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com a Agência Espacial Brasileira, e contou com algumas curiosidades, incluindo a utilização de uma linguagem de programação pouco conhecida: a Julia.
O TecMundo conversou com Ronan Arraes, arquiteto da missão e responsável pelo subsistema de controle de atitude e órbita do Amazônia 1, que explicou a utilização da tecnologia e um pouco sobre como foi o desenvolvimento do satélite.
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Ele é formado em Engenharia de Controle de Automação pela Universidade de Brasília, doutor em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), trabalha no Inpe desde 2013 e começou a participar do grande projeto cerca de 5 meses depois que assumiu o cargo público.
O especialista diz que a empreitada foi muito desafiadora porque, apesar do conhecimento do país na área de satélites, desta vez toda a responsabilidade era do Brasil. “No caso do CBERS [satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres], por exemplo, nós atuamos em conjunto com a China, e eles tinham muito know-how. Desta vez, tivemos que utilizar todo um conhecimento que só tínhamos na parte teórica e pouco na prática”, explicou.
Ele exemplificou que a definição dos testes foi uma das partes mais difíceis, já que a replicação das condições do espaço são complexas de se fazer.
Além disso, Arraes e sua equipe tinham como uma das tarefas definir a órbita do satélite, o que foi feito bem no começo. Nesse processo, foi estabelecido que o aparelho ficaria em uma altitude média de 752 km, posição que permite que a câmera do equipamento registre fotos de todo o território brasileiro em 5 dias.
Ajuda da Julia
Mais para o meio e fim do projeto, ainda antes do lançamento, Arraes coordenou a fase de testes do subsistema de controle de atitude do Amazônia 1. O procedimento técnico visa gerenciar a orientação de um satélite no espaço em complemento às informações sobre a órbita.
Durante essa etapa, era preciso realizar simulações de controle de atitude para analisar diversos parâmetros sobre o posicionamento do satélite. No meio dessa análise em computadores, a equipe percebeu que as chamadas “linguagens interpretadas” não conseguiam entregar as respostas na velocidade exigida pela missão.
Foi então que a linguagem de programação Julia apareceu como uma candidata para suprir a necessidade. Surgida em meados de 2012, a ferramenta é utilizada por apenas 1% dos quase 20 mil programadores entrevistados pela empresa JetBrains.
A linguagem foi desenvolvida por Jeff Bezanson, Stefan Karpinski, Viral B. Shah e Alan Edelman, cuja intenção era justamente oferecer a especialistas uma programação de alto nível que tivesse um bom desempenho numérico e científico.
Em entrevista ao site InfoWorld, Bezanson revelou a escolha da alcunha da ferramenta. "Essa é uma pergunta que todo mundo faz. Na verdade, não tem uma boa razão. Só nos pareceu um nome muito bonito".
“A Julia foi uma aposta que acabou resolvendo nossos problemas. Ela parece interpretada, mas não é, consegue ser executada como as mais tradicionais como C e C++ e ainda entrega velocidade”, argumentou Arraes.
A linguagem também trouxe outro benefício importante: gasto zero. Ela é open source e, por isso, não é preciso pagar para utilizá-la, e o especialista do Inpe contou que a utilização da linguagem foi essencial para alavancar os trabalhos do controle de atitude do Amazônia 1.
Atualmente, mesmo com o satélite em órbita, a Julia é utilizada em setores como o simulador lógico do controle de atitude, o sistema de telemetria (comunicação remota) e na calibração do sensor em órbita. Anteriormente, ela havia sido utilizada na análise geral da missão, em cálculo de orçamento, combustível, análise de viabilidade da estação terrestre e mais.
Missão histórica
O lançamento do satélite brasileiro para o espaço representou uma sensação de dever cumprido, de acordo com Arraes, que explicou que, como arquiteto da missão segue responsável pelo controle de atitude do Amazônia 1.
O técnico negou, inclusive, que o satélite tenha passado por um momento de descontrole e sustentou que até agora nenhuma análise fugiu do que se esperava: “Não tivemos nenhuma ocorrência, por enquanto, e podemos dizer que tudo está dentro do planejado”.
O arquiteto do projeto ressaltou, ainda, que o feito mostra o quanto o Brasil tem bons profissionais e como o Inpe pode corresponder a vários tipos de demandas. Ele lembrou que a missão tem entre os objetivos observar o desmatamento na região amazônica e validar a Plataforma Multimissão (PMM), que poderá ajudar no desenvolvimento de outros satélites 100% nacionais.
“O Brasil é um país com dimensões continentais e precisa ter uma visão do espaço. Ao sermos bem-sucedidos nessa empreitada, mostramos como o país tem uma bagagem técnica para fazer esse tipo de trabalho. E esse é só o começo, porque uma novidade dessa acaba gerando resultados e inovações muito importantes que nós nem conseguimos prever”, finalizou Arraes.
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