Relâmpagos podem ter provocado o surgimento da vida na Terra

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Imagem: Santiago Borja/Reprodução

Quem assistiu a Sweet Home Alabama (Doce Lar, 2002), deve se lembrar em como o protagonista do filme desenterrava, da areia atingia por raios, belas esculturas de vidro. Essas formas (na verdade, a areia de quartzo fundida pela energia do relâmpago) são chamadas fulguritos, e aqueles formados por descargas elétricas há bilhões de anos podem ser a chave para explicar como a vida, afinal, se formou no planeta.

Fulguritos de areia são bem diferentes daqueles formados na terra, e foi um desses que o cientista planetário Benjamin Hess, então um estudante de geologia, foi chamado a examinar por uma família de Glen Ellyn, no Illinois. Eles alegavam que um meteorito havia caído em seu quintal – na verdade, a rocha esquisita agarrada à terra carbonizada era o produto do derretimento dos componentes do solo.

O fulgurito de Illinois; encontrado em 2016, ele deu início à pesquisa agora publicada.O fulgurito de Illinois; encontrado em 2016, ele deu início à pesquisa agora publicada.Fonte:  Stephen Moshier/Reprodução 

“A maioria dos fulguritos estudados no passado foi achada em praias ou desertos, porque é muito fácil ver uma estrutura de vidro saindo da areia, enquanto os da terra ficam cobertos por detritos ou vegetação. O de Illionois tinha uma estrutura espessa em forma de raiz de árvore que se estendia por cerca meio metro”, disse Hess à Smithsonian Magazine.

Microscópio

O ano era 2016; Hess (agora na universidade de Yale) continuou a estudar o aglomerado vítreo de Illinois e descobriu, no interior, fósforo, essencial para o surgimento de DNA e RNA, moléculas que carregam a informação necessária para a formação e prosseguimento da vida como a conhecemos.

A descoberta se deu quando o cientista planetário estava na Universidade de Leeds, na Inglaterra; juntamente com dois pesquisadores da instituição – o geoquímico Jason Harvey e a geóloga estrutural Sandra Piazolo –, Hess usou microscopia eletrônica de varredura para examinar amostras do fulgurito. O grupo encontrou pequeninos pontos escuros na estrutura, posteriormente identificados como schreibersita.

O exame microscópio de pedaços do fulgurito mostrou um composto contendo fósforo em seu interior.O exame microscópio de pedaços do fulgurito mostrou um composto contendo fósforo em seu interior.Fonte:  Yale University/Divulgação 

Formado por um átomo de ferro e três de fósforo, esse composto é comum em meteoritos, solúvel em água e sempre se pensou que seria a fonte de fósforo essencial à formação de biomoléculas (na Terra, ele só é encontrado na Ilha Disko, na Groenlândia). “Assim que percebi o papel que se pensa que a schreibersita desempenha nas origens da vida, o foco de nossa pesquisa mudou completamente”, lembrou Hess.

O fósforo na Terra primitiva era abundante mas inacessível, por estar firmemente preso dentro de minerais insolúveis na superfície da Terra. Os três pesquisadores pensaram primeiro na schreibersita dos meteoritos que caíam por aqui. O problema é que, entre 3,5 a 4,5 bilhões de anos, a quantidade de rochas espaciais era insuficiente para suprir o fósforo necessário para que a vida se formasse.

Um quintilhão de raios

Os três, então, se voltaram para a schreibersita no interior do fulgurito. “Mostramos que os relâmpagos podem realmente ter formado uma grande quantidade de schreibersita comparável à quantidade fornecida por meteoritos no início da Terra”, disse Hess.

Para calcular se haveria fósforo suficiente para a criação de biomoléculas, os pesquisadores modelaram o clima da Terra primitiva, com tempestades elétricas monstruosas despejando sobre a superfície do planeta entre um bilhão e cinco bilhões de relâmpagos por ano.

A ideia de raios e não, meteoros fornecendo o fósforo tem duas vantagens: um relâmpago, quando atinge o solo, não destrói tudo ao redor, como um meteorito faz; e se a quantidade de pedras caindo do céu decresceu com o tempo, o número de descargas elétricas na atmosfera permaneceu constante por bilhões de anos.

Pelos cálculos do trio de cientistas, um quintilhão (ou 1.000.000.000.000.000.000) de raios, ao longo de um bilhão de anos, caiu sobre a superfície da jovem Terra, liberando cerca de 11.500 quilos de fósforo por ano. "Para a vida se formar, só é preciso um local com os ingredientes certos: cem quilos de fósforo concentrados em uma única ilha tropical pode ter sido o suficiente”, disse Hess ao site Live Science.

O resultado da pesquisa publicada na Nature Communications pode ser estendida a outros planetas, também sujeitos à atividade elétrica em sua atmosfera. Para a geóloga Danna Qasim, do Laboratório de Gelo Cósmico da NASA, “os autores fornecem uma hipótese convincente de que os relâmpagos são significativos para a contribuição da schreibersita na Terra primitiva".

Qasim acredita que “a descoberta não significa que os meteoritos antigos não fossem importantes: a schreibersita que vem do espaço normalmente contém níquel, que parece ser importante para tornar esse composto reativo e capaz de fazer com que o fósforo contido nela comece a formar moléculas orgânicas”.

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