Desde que a variante B.1.1.7 do novo coronavírus surgiu no Reino Unido, pesquisadores se concentraram em determinar se a nova cepa seria mais virulenta ou mais mortal do que o vírus original. Um estudo da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM) pôs fim à dúvida: sim, a variante é mais contagiosa e letal.
O estudo foi conduzido pelo Centro de Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas (CMMID) da LSHTM, que analisou 150 mil amostras de sangue de pacientes com covid-19 de todo o Reino Unido e concluiu que a chamada variante de Kent é entre 43% e 90% mais contagiosa.
O momento em que o SARS-CoV-2 infecta uma célula.Fonte: IOC/Fiocruz/Débora F. Barreto-Vieira/Divulgação
Publicado na revista Science, o trabalho não encontrou evidências de que a cepa B.1.1.7 seja responsável por casos mais graves da doença; porém, ela está associada a um aumento de 58% no risco de morte.
Chamada também de VOC 202012/01 (VOC significando variant of concern ou "variante de preocupação", em tradução livre), ela se espalhou, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), por 60 países – no Brasil, já foram identificados 20 casos em 8 estados.
Mais vacina e menos rua
“Todas as atualizações que fizemos são compatíveis com a hipótese de que a B.1.1.7 é mais letal. Sem medidas de controle rigorosas, incluindo o fechamento parcial de instituições educacionais e uma grande aceleração das campanhas de vacinação, o número de hospitalizações e mortes por covid-19 na Inglaterra, em 2021, será maior que em 2020”, disse a bioestatística e coautora Karla Díaz Ordaz.
A modelagem do avanço da doença mostrou que o risco de um homem com mais de 60 anos morrer depois de testar positivo para covid-19 saltaria de 0,6% (cepa original) para 0,9% (VOC 202012/01) – um aumento de 50%. Em pessoas com mais de 85 anos, os percentuais pulam de 13% para 20% nas mulheres, e de 17% para 26% nos homens.
Depois do aumento de casos, o governo pediu aos britânicos que ficassem em casa, protegessem o sistema hospitalar e salvassem vidas.Fonte: In Pictures/Mike Kemp/Reprodução
Segundo o líder do estudo, o infectologista Nicholas Davies, “42 mil pessoas morreram de covid-19 na Inglaterra nos 2 primeiros meses de 2021, o mesmo número de óbitos entre março e outubro de 2020. Estou certo de que grande parte dessas mortes teria sido evitada se não existisse a variante B.1.1.7”.
Duas cepas em uma
A virulência da variante de Kent preocupa pela possibilidade de ela se combinar com outras cepas – o que já está acontecendo. Um estudo publicado por pesquisadores brasileiros, dos laboratórios Nacional de Computação Científica e de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, identificou ao menos dois casos de pacientes que contraíram, simultaneamente, duas variantes do Sars-CoV-2.
“A detecção de múltiplas variantes em uma pessoa pode ser o resultado da coinfecção ou a geração de mutações dentro do paciente. No estudo brasileiro, as cepas identificadas corresponderam a linhagens diferentes previamente detectadas na população, implicando em coinfecção por duas variantes”, explicou em um artigo para o site The Conversation a bióloga molecular Maitreyi Shivkumar, da Universidade Montfort.
Médicos atendem um paciente com covid-19 em estado grave na UTI de um hospital em Porto Alegre.Fonte: Reuters/Diego Vara/Reprodução
Segundo ela, os dois casos de coinfecção “geraram a preocupação de o Sars-CoV-2 incorporar novas mutações ainda mais rapidamente. Isso ocorre porque, quando dois vírus de cepas diferentes infectam a mesma célula, eles podem trocar grandes partes de seus genomas entre si e criar sequências completamente novas”.
O rearranjo viral, porém, não acontece se as cepas se replicarem em partes diferentes do corpo. Segundo Shivkumar, “as evidências até agora não sugerem que a infecção por mais de uma variante leve a doenças mais graves. E, embora possível, muito poucos casos de coinfecção foram relatados”.
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