Em 2011, o cientista da computação Scott Aaronson, da Universidade do Texas, delineou os fundamentos do que seria um computador quântico baseado em luz mas, frente à opinião de colegas físicos de que ele jamais funcionaria, engavetou o projeto – para vê-lo concretizado nove anos depois. “Não achei que isso aconteceria tão cedo. Tiro meu chapéu para eles.” Aaronson se referia aos físicos Chao-Yang Lu e Jian-Wei Pan, que tornaram possível ao computador quântico Jiuzhang alcançar a supremacia quântica nesta sexta (4).
Essa expressão se refere ao poder de um computador quântico em resolver problemas que computadores clássicos não conseguiriam — pelo menos, não em tempo hábil. Em 2019, a Google reivindicou para si o feito, com o Sycamore, que precisou de apenas três minutos para fazer o mesmo cálculo que demandaria três dias para um supercomputador alcançar o mesmo resultado.
Enquanto o Sycamore usa supercondutores para formar qubits, no Jiuzhang os próprios fótons são os bits quânticos. Para realizar o mesmo cálculo que o computador quântico fez agora, seu colega chinês Sunway TaihuLight, o terceiro supercomputador mais poderoso do mundo, levaria 2,5 bilhões de anos.
Construído na Universidade de Ciência e Tecnologia da China (USTC) em Xangai, o Jiuzhang tem uma configuração complicada: um laser na estrutura atinge 25 cristais feitos de fosfato de titanil potássio — ao serem atingidos, cada um deles libera dois fótons em direções opostas. Estes são, então, enviados por 100 caminhos diferentes, percorrendo trilhas feitas com 300 prismas e 75 espelhos. Finalmente, eles caem em 100 canaletas diferentes, onde são detectados.
Nem tão grande assim
A Wikipedia nos ensina que “um computador quântico é um dispositivo que executa cálculos fazendo uso direto de propriedades da mecânica quântica, tais como sobreposição e interferência.”
Ao perceber que um computador quântico fotônico universal demandaria milhões de lasers, espelhos e outros dispositivos ópticos, a comunidade científica enterrou a ideia — até que Aaronson e o físico Alex Arkhipov, à época seu aluno, tiveram a ideia de usar o conceito de amostragem de bóson: o computador quântico teria apenas alguns lasers, espelhos, prismas e detectores de fótons.
Para tentar compreender como funciona a amostragem de bóson no Jiuzhang, podemos usar o tabuleiro de Galton.
Simular a distribuição das bolas pelas canaletas não é um trabalho complicado para um computador. No caso de um quântico, a amostragem de bósons usa fótons em vez de bolinhas; os espelhos e prismas são os pinos por onde elas correm.
Goles de moléculas
Os fótons dos lasers ricocheteiam em espelhos através de prismas até caírem nas canaletas para serem detectados. Ao contrário das bolas clássicas, as propriedades quânticas do fóton levam a um número exponencialmente crescente de distribuições possíveis.
Os esquemas de amostragem de bósons não resistem a um número baixo de fótons. Para preservar o arranjo quântico sensível, eles devem permanecer indistinguíveis. Os que percorrem os caminhos estreitos dentro do Jiuzhang cobrem uma distância de 22 metros e suas posições não se destacam uma das outras mais que 25 nanômetros. “Isso é o equivalente a 100 cavalos percorrendo 100 quilômetros e cruzando a linha de chegada com no máximo um fio de cabelo entre eles”, disse Chao-Yang Lu.
Para o sucesso alcançado nessa sexta, os fótons precisam ser gerados em sua forma mais pura possível, produzidos um após o outro. “É fácil para qualquer um tomar água em goles comedidos, mas é difícil beber apenas uma molécula de cada vez”, disse Pan.
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