Em tempos de doomscrolling (ler obsessivamente postagens nas redes sociais à procura da próxima desgraça), o que publicamos é o material de trabalho de um grupo de pesquisadores da Universidade de Vermont: eles medem a felicidade no Twitter.
Na verdade, eles mensuram qualquer coisa – da aprovação de um governo à quantidade de calorias ingeridas em média pela população; a felicidade (ou a falta dela) mostra como anda a nossa saúde mental.
O ano em que vivemos, por exemplo, registrou o dia mais triste dos últimos 13 anos. Em 31 de maio, as ruas nos EUA foram tomadas por manifestações de protesto contra a brutalidade policial e pela morte de George Floyd; as palavras mais usadas naquele domingo foram “terrorista”, “violência” e “racista”.
Yesterday was the saddest day in the history of @Twitter pic.twitter.com/91VP3Ywtnr
— hedonometer (@hedonometer) May 30, 2020
Medidor de felicidade
Em contrapartida, 2015 foi “um dos anos mais felizes no Twitter, pelo menos para o de língua inglesa. Desde então, tem havido um longo declínio”, disse o matemático Chris Danforth.
É dele e do estatístico Peter Dodds, do Computational Story Lab, a criação de um sistema que mede os sentimentos expressos no Twitter. O Hedonômetro existe desde 2008, usando os milhões de tweets postados diariamente para chegar a uma média móvel do bem-estar do ser humano (os dados reunidos pelo sistema abrangem 10% de todos os tweets postados publicamente em dez idiomas, incluindo o português).
As palavras buscadas – classificadas como “feliz” (como “amor”, “perfeito”, “férias” e até “kkkkkkkkk”) e “triste” (“coronavírus”, “morte”, “luto”, “ódio” e “pandemia”) – são contadas para o cálculo da média da felicidade nacional.
O medo em tweets
Nos primeiros meses do ano, quando a covid-19 estava se espalhando, o Twitter registrou um aumento de 34% em sua atividade diária. Desde então, a tristeza bateu sucessivos recordes, registrados pelo Hedonômetro.
(Em março, Danforth e Dodds, juntamente com outros sete pesquisadores, publicaram um estudo no repositório de pesquisas arXiv, mostrando que, se o mundo prestou atenção à palavra “coronavírus” em janeiro, o interesse decaiu até abril, enquanto a covid-19 se espalhava pela China, subindo novamente quando a Itália registrou um número recorde de mortos e um paciente inglês de 13 anos, fora dos grupos de risco, foi a primeira vítima fatal da doença).
O interesse pela nova doença caiu a partir de fevereiro, enquanto a doença se espalhava pela China.Fonte: Getty Images/Tomohiro Ohsumi/Reprodução
“Se juntarmos todos os dias tristes registrados, teremos um mês inteiro. Nossa atenção coletiva é muito efêmera, então é realmente notável que o Hedonômetro mostrasse esse estado de espírito deprimido. E ele ficou ainda pior, quando os protestos começaram”, disse Danforth.
Sinais reveladores
O uso de redes sociais para medir o bem-estar não é feito apenas no Computational Story Lab. Na School of Interactive Computing da Georgia Tech, a cientista da computação Munmun De Choudhury conseguiu prever casos de depressão pós-parto com base em postagens de mulheres grávidas antes mesmo de elas darem à luz.
Segundo ela, “as mídias sociais oferecem um campo melhor de estudos porque, historicamente, grande parte das pesquisas sobre saúde mental foi feita com voluntários – a maioria, estudantes universitários e pacientes de uma clínica. Agora, podemos olhar para uma variedade muito mais diversificada de experiências”.
Seu trabalho atual consiste em analisar tweets dos dois primeiros meses da pandemia nos EUA, procurando não apenas por tristeza, como ansiedade, depressão, estresse e mesmo pensamentos suicidas (ela já descobriu que todos esses sentimentos são significativamente mais altos nesse período de tempo do que durante os mesmos meses de 2019).
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