Todos os anos, milhões de crianças deixam de ser imunizadas por conta de infraestrutura precária e fornecimento de eletricidade e refrigeração instáveis nos locais de vacinação. Se os laboratórios jamais se preocuparam em desenvolver alternativas à cadeia de frio (a linha de abastecimento que mantém vacinas rigidamente resfriadas do laboratório à aplicação), agora ela é um desafio a ser enfrentado quando chegar a hora de distribuir as vacinas contra a covid-19.
O armazenamento da vacina contra a covid-19 vai requerer condições especiais de armazenamento e transporte.Fonte: AFP/Tony Karumba/Reprodução
Segundo um estudo de 2019, 25% de todas as vacinas produzidas no mundo são descartadas por terem sido armazenadas ou transportadas incorretamente, gerando perda anual de US$ 34,1 bilhões. Em um artigo para o site The Conversation, Ana Nagurney, professora e especialista em Gerenciamento de Operações da Universidade de Massachusetts, alerta para o iminente problema de se transportar e armazenar globalmente as estimadas 15 bilhões de doses da vacina contra a covid-19.
Vacinas a -70 °C
"A maioria das vacinas hoje em desenvolvimento, como as da Moderna e da Pfizer, tem como base moléculas de RNA: se não forem conservadas à temperatura exata, estragam. Enquanto a maioria das vacinas tradicionais precisa ser armazenada a temperaturas entre 1 °C e 7 °C, a vacina da Moderna requer -20°C, enquanto a da Pfizer tem que ser conservada a -70 °C. Não são temperaturas fáceis de serem mantidas com precisão", explica.
O mundo terá que lidar com a distribuição, em um primeiro momento, de pelo menos 9 bilhões de doses contra a covid-19, além das vacinas que já fazem parte dos calendários de imunização contra a gripe comum, para a qual anualmente são produzidas e entregues cerca de 6,4 bilhões de vacinas.
Segundo Nagurney, o problema da distribuição global da vacina, que pode significar, se não bem resolvido, uma paralisação global mais longa, começa com as próprias unidades de armazenamento, principalmente em locais em que inexistem condições ideais de estocagem.
Fazendas de congeladores
"Os freezers típicos de restaurantes variam de -15 °C a -23 °C e simplesmente não podem atingir as temperaturas exigidas pela vacina da Pfizer, por exemplo", diz a especialista. Se estocar as doses é um dos problemas, movê-las exige uma operação de logística que nem todo os países estão aptos a realizar.
Uma das "fazendas" de freezers da UPS com 600 unidades capazes de atingir -80 °C e com capacidade, cada uma, para 48 mil frascos de vacina.Fonte: UPS/Divulgação
Gargalos nos aeroportos
"Em regiões onde o risco de incêndio está levando a apagões ou em países em desenvolvimento, onde a rede elétrica não é confiável, milhares de doses de vacinas podem ser perdidas. É preciso também levar em conta que apenas alguns aeroportos são certificados para o manuseio de produtos farmacêuticos, de modo que podem ocorrer gargalos".
Segundo Nagurney, "é possível que, com as companhias aéreas se recuperando da pandemia, não haja aviões suficientes para atender à demanda".
Profissionais de saúde transportam vacinas em coolers para uma aldeia remota a leste do Malawi.Fonte: GAVI/PATH/ Doune Porter/Reprodução
Os desafios são os mesmos que ainda inviabilizam campanhas de imunização em países em desenvolvimento. Há anos, os Médicos Sem Fronteiras alertam para a necessidade de alternativas à cadeia de frio tradicional. Em parte, isso ocorre porque ela não precisa ser flexível em países desenvolvidos, onde a refrigeração não é problemática, portanto há pouco incentivo para investimentos em alternativas de transporte e armazenamento.
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