Quantas vezes você se viu fazendo alguma coisa sem ter consciência disso? Costuma-se dizer que isso é agir no “piloto automático” – e se isso é real ou não, é uma questão de 1.500 anos, desde que o filósofo Santo Agostinho se perguntou se a consciência é contínua ou se estamos conscientes apenas em certos momentos do tempo. Para um grupo de psicofísicos da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça, a resposta é: os dois.
"A consciência é basicamente como um filme. Achamos que vemos o mundo como ele é, não há lacunas, não há nada no meio, mas isso não pode ser verdade. A mudança não pode ser percebida imediatamente. Só pode ser apreendida depois que aconteceu", diz o principal autor do estudo publicado na revista Trends in Cognitive Sciences, o psicofísico Michael Herzog.
Segundo ele, “temos a sensação de que estamos conscientes a cada momento" mas, por ser um conceito abstrato, sua definição também o é. “O que sabemos é que uma pessoa passa da inconsciência para a consciência ao acordar de manhã ou da anestesia. A maioria dos filósofos concorda com a ideia de percepção consciente contínua – porque ela segue a intuição humana básica.”
Discreta e contínua
Por outro lado, o ser humano pode não está consciente todo o tempo – como programas que rodam em segundo plano, somente em certos momentos do tempo a consciência aflora. Mas por quanto tempo e quando?
Herzog e os outros dois autores do artigo, os também psicofísicos Leila Drissi-Daoudi e Adrien Doerig, uniram as duas teorias em um modelo que descreve a mente do ser humano dividida em dois estágios. Nele, a percepção consciente é precedida por um período de processamento inconsciente de longa duração – isso acontece porque o ser humano “precisa processar informações continuamente, mas não pode percebê-las sem parar”, diz Herzog.
O processo é exemplificado com uma atividade simples: andar de bicicleta. A não ser que você não conheça o caminho, o normal é a mente se perder, enquanto a ação de pedalar acontece mecanicamente.
“Se você caísse e esperasse a cada meio segundo para responder, não haveria como se segurar antes de atingir o solo. Porém, se você combinar breves momentos conscientes com períodos mais longos de processamento inconsciente em que a informação é integrada, sua mente lhe diz o que você percebeu e você se detém. É o zumbi dentro de nós que dirige sua bicicleta. Os pensamentos e arredores são atualizados inconscientemente; se algo não faz sentido, você muda sua rota.”
Viver sem consciência
A combinação dos dois modelos satisfaz à filosofia e sua questão de um milênio e meio, e ainda abre campos para os cientistas em diferentes áreas. “Se for verdade, isso pode mudar os modelos em neurociência, psicologia e, potencialmente, também em visão computacional”, diz Herzog.
Os autores escrevem que o modelo proposto em dois estágios tanto resolve o problema filosófico de 1.500 anos como abre novas perspectivas aos cientistas de diferentes disciplinas. “O processamento consciente é superestimado. Deveríamos dar peso ao período de processamento que acontece nas sombras. Teríamos essa dimensão extra de tempo para resolver problemas, se as pessoas levassem isso a sério”, explica o psicofísico.
O modelo proposto, porém, suscita mais perguntas. Como os dois níveis de consciência interagem? Como passamos de um estágio para outro? Distúrbios como a esquizofrenia mudam esse equilíbrio? Podemos viver sem consciência? A resposta de Herzog: “Não temos ideia.”