O isolamento social imposto como forma de combate à pandemia de covid-19 acabou gerando um novo termo, derivado do inglês doom (desgraça) e scrolling (rolar a tela de um dispositivo eletrônico, como o celular), em um trocadilho com downscrolling (rolar para baixo): vivemos agora tempos de doomscrolling. O ato de procurar incessantemente notícias sobre o alastramento do Sars-CoV-19 pelo mundo para encontrar a desgraça em forma de post.
O repórter veterano Mark Barabak, do jornal Los Angeles Times, descreveu o doomscrolling como "uma quantidade excessiva de tempo dedicado à leitura, em dispositivos eletrônicos, e à absorção de notícias distópicas".
Um termo similar (doomsurfing) foi cunhado pelo colunista de tecnologia do jornal The New York Times para descrever essa mania quase masoquista de procurar desgraças sobre a pandemia nas redes sociais, principalmente antes de dormir.
As redes sociais se tornaram a fonte de informação de toda uma geração e são nelas que o pior vem sendo mostrado: o avanço da pandemia pelo mundo, os protestos antirracistas nos EUA e o antigoverno no Brasil.
Multiplicador de ansiedade
Para a professora de Comunicação Nicole Allison, da University of Michigan, que estuda mídias sociais, “as pessoas estão vivendo em um momento sem soluções fáceis, um momento com muitos acontecimentos conflitantes em um cenário de rápida mudança. O processamento cognitivo é muito exigido, e não há narrativa abrangente que nos ajude. Isso apenas aumenta o estresse e a ansiedade que as pessoas já estão sentindo”.
Em vez de informar (um dos papéis das redes sociais quando usadas de maneira responsável), Twitter, Facebook e Instagram, entre outras plataformas, estão multiplicando a ansiedade em quem passa os dias lendo posts.
“Em uma situação como essa, nos envolvemos em comportamentos mais restritos e imediatos, orientados à sobrevivência: estamos no modo de luta ou de fuga. A isso soma-se o fato de muitos estarem sozinhos, trabalhando de casa, sem o contato direto com colegas e amigos que dá sentido à coletividade do dia a dia. O resultado é que temos poucos recursos sociais disponíveis para lidarmos com essa situação", explicou Allison em entrevista ao Wired.
O melhor humor na pior hora
Algumas formas de contornar essa angústia foram a criação e o compartilhamento de memes e gírias relacionadas à doença.
Entre as gírias, as que mais fazem sucesso são “coronavidiota” (a pessoa que, mesmo com mais de 10 milhões de contaminados e 500 mil mortos, ignora a necessidade de distanciamento social e de quarentena) e "coronnial" (a geração que está sendo concebida durante a quarentena). O termo doomscrolling, porém, não é novo: foi resgatado de um tweet de 2018.
A desgraça também vira humor via redes sociais e elas não são tão culpadas assim pela onda de pessimismo e angústia gerada pela propagação do coronavírus. Para o cientista e pesquisador Mesfin Bekalu, da T.H. Chan School of Public Health de Harvard, as redes sociais entregam somente aquilo o que as pessoas querem ver, alimentadas pelos algoritmos de preferências.
“Embora muitas publicações sejam sobre coisas ruins, como seres humanos temos uma tendência 'natural' de prestar mais atenção a notícias negativas. Desde a década de 1970, conhecemos a Síndrome do Mundo Mau, a crença de que o mundo é um lugar mais perigoso para se viver do que realmente é, como resultado da exposição a longo prazo a conteúdos relacionados à violência na televisão”, disse o pesquisador em entrevista ao Wired.
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