Em 2010, o geneticista Svante Pääbo conseguiu extrair e sequenciar o DNA a partir de ossos de três mulheres neandertais; uma década depois, os genes desse ancestral humano agora florescem, em placas de vidro, na forma de tecido cerebral neandertal.
Três elementos foram usados para criar os "minicérebros": DNA neandertal, o editor de genoma CRISPR e organoides (estruturas com origem em células-tronco e que se parecem com um tecido original específico – nesse caso, o tecido cerebral).
Uma equipe da University of California, San Diego (UCSD), liderada pela geneticista Alysson Muotri, conseguiu que essas bolhas de tecido modificado se expressassem como o córtex cerebral. Na aparência, eles têm tamanhos diferentes, formando redes neurais de maneira diversa à de organoides com DNA humano moderno. "Estamos tentando recriar mentes neandertais", disse Muotri à Science Magazine.
Forma e estrutura diversas
A pesquisa (ainda não publicada) usa um dos 200 genes neandertais que mudaram no H. sapiens – especificamente, o que codifica a proteína NOVA1, ligada ao autismo e à esquizofrenia (entre homem moderno e ancestral, a diferença é de apenas um par de bases).
Usando o CRISPR, a equipe inseriu as “bases neandertais” no gene humano. Depois de meses, as células-tronco com DNA ancestral se converteram em organoides (ou “neanderoides”, como diz Muotri) até o estágio em que foram detectados sinais elétricos. E as diferenças surgiram logo à vista: os “neanderoides” têm a forma de uma pipoca, enquanto os “humanroides” são redondos.
Células modificadas com gene neandertal (à esquerda) se desenvolvem de maneira diferente das com gene humano (à direita).Fonte: Alysson Muotri/Divulgação
Por uma razão ainda desconhecida, os neurônios modificados migram dentro das bolhas de tecido mais rapidamente ao se organizarem em estruturas, formam menos conexões sinápticas e criam redes neurais anormais.
Segundo Muotri, esse desenvolvimento tem similaridade com o que ela encontrou em tecido cerebral de crianças com autismo. “Nos humanos modernos, essas mudanças estão ligadas a defeitos no desenvolvimento cerebral necessário à socialização. Se acreditamos que essa é uma das nossas vantagens sobre os neandertais, a descoberta é relevante".
Longe de um cérebro real
Para Svante Pääbo, hoje diretor do Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology, é muito difícil descobrir quais diferenças genéticas são "funcionalmente relevantes", já que organoides "estão longe de nos dizer como os cérebros adultos funcionam".
O geneticista fez parte de um estudo, publicado na revista Stem Cell Reports, que também usou organoides de tecido cerebral a partir de células-tronco humanas modificadas com DNA e proteínas neandertais.
O objetivo é entender como neandertais e humanos modernos se relacionam. Como exemplo de genoma humano moderno, os geneticistas escolheram o de indivíduos do Reino Unido e do norte da Europa — população altamente provável de ter genes ancestrais. O neandertal usado foi o de referência, extraído em 2010 por Pääbo.
A maior parte do DNA ancestral foi extraído de ossos de três mulheres neandertais, encontrados na caverna Vindija, na Croácia.Fonte: Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology/Reprodução
"Queríamos descobrir quais partes derivam dos neandertais – cada indivíduo tem entre 1% e 4% do genoma ancestral", disse à CNN o geneticista da University of Basel Grayson Camp, principal autor do estudo.
A equipe também criou organoides com genes de chimpanzés para determinar a linha evolutiva do cérebro humano e de outros grandes primatas.
A equipe europeia criou ainda organoides com genes de chimpanzés.Fonte: University of Basel/Grayson Camp
“Não são ‘cérebros neandertais cultivados em laboratório’; são células humanas que possuem DNA neandertal dentro delas", frisou Camp.
Segundo ele, futuramente tecidos de outros órgãos poderão ser cultivados e estudados dessa maneira, como forma de entender como os genes neandertais teriam moldado o homem moderno.
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