Se você é fã de astronomia e exploração espacial e, de quebra, adora um cineminha e obras de ficção científica, então deve estar por dentro do lançamento de Ad Astra – Rumo às Estrelas, longa que acompanha a jornada do engenheiro espacial Roy McBride, interpretado por Brad Pitt, enquanto ele viaja através do Sistema Solar em busca de seu pai, Clifford McBride, vivido por Tommy Lee Jones, que desapareceu durante uma missão a Netuno.
O filme promete muitas cenas de tirar o fôlego e sequências de bastante tensão, e os produtores consultaram astrônomos e outros cientistas – incluindo astronautas e o pessoal da NASA – para evitar gafes. Mas, até onde o que é mostrado em Ad Astra é cientificamente correto ou plausível e onde os roteiristas tomaram liberdades cinematográficas (por assim dizer) que foram um pouquinho longe demais? Um cinéfilo chamado Andy Howell – que, por sinal, é professor de Astrofísica na Universidade Rochester, nos EUA – analisou o longa e compartilhou seus pareceres com o pessoal do site Gizmodo, os quais você pode conferir a seguir. Ah... E vão rolar spoilers, então, fique avisado desde já!
Contextualizando
A trama está ambientada em um futuro não muito distante e, nela, o pai de Roy parte em uma nave movida a antimatéria até Netuno, o planeta do Sistema Solar mais distante do Sol, para tentar detectar sinais de vida alienígena em outros sistemas planetários. A missão deveria durar algumas décadas, mas o sistema de propulsão da espaçonave apresenta problemas, os astronautas desaparecem e a avaria passa a representar um gigantesco risco ao Sistema Solar. Então, o personagem de Pitt se envolve em um acidente em uma torre colossal que se projeta da Terra ao espaço, provavelmente causado por pulsos de antimatéria na nave do pai – e parte em uma viagem para tentar encontrá-lo e prevenir possíveis tragédias.
Ponto de partida
Quando a equipe de Clifford McBride parte em sua missão, é dito no filme que a equipe viajará até Netuno, onde se encontra o limite da heliosfera – que consiste na vasta região onde ainda existe influência solar – para que o campo magnético do Sol não afete os instrumentos levados pelos astronautas. Entretanto, conforme explicou Andy, essa região não termina em Netuno. Aliás, ela se estende para muito além do planeta!
Na verdade, a humanidade já enviou artefatos que ultrapassaram a heliosfera: as sondas Voyager 1 e 2. E, só para você ter ideia, a segunda nave, que foi lançada em 1977, levou 12 anos para percorrer os quase 5 bilhões de quilômetros que nos separam do gigante gasoso – e outros 29 anos para viajar os perto de 13 bilhões de km restantes para efetivamente deixar a heliosfera para trás.
O acidente na torre
Conforme mencionamos, Roy sofre um acidente em uma torre colossal que se projeta da superfície da Terra ao espaço – quando uma série de explosões acontece e ele despenca lá de cima. Pois, segundo Andy, é verdade que na altitude em que o personagem se encontra a atmosfera é rarefeita demais para oferecer resistência suficiente à queda e, tal como é retratado no longa, se alguém caísse de tal local, essa pessoa certamente começaria a girar incontrolavelmente até provavelmente perder os sentidos. Mas, apesar desse “acerto”, existem vários erros na sequência.
Na trama, a torre teria como propósito ajudar na busca por vida pelo Universo, mas, tudo indica que a estrutura consiste em uma antena e, sendo assim, teria sido construída para capturar sinais de rádio. Só que esses sinais são capazes de penetrar a atmosfera e chegar até a superfície da Terra, dispensando a necessidade de se erguer uma torre dessas. E mesmo que ela estivesse ali para detectar emissões em raios-x, gama ou até pulsos de luz infravermelha, seria muito, muito mais barato, coerente e eficiente colocar satélites em órbita do que construir uma megatorre dessas.
O sistema de propulsão
Nós comentamos que a nave de Clifford é movida a um sistema de propulsão baseado no emprego de antimatéria, certo? Só que uma avaria teria levado os motores a disparar raios cósmicos de Netuno que ganhariam intensidade à medida que viajam em direção ao nosso planeta – e que poderiam desencadear uma reação em cadeia com potencial de não só matar milhares de pessoas na Terra e em Marte (sim, no longa, já existe uma colônia por lá), como de destruir todo o Sistema Solar.
No entanto, segundo Andy, os raios cósmicos não se tornam mais intensos conforme se afastam da fonte emissora e viajam pelo espaço – o normal é que ocorra o contrário –, e se eles tivessem energia suficiente para causar a morte de milhares de pessoas aqui na Terra, certamente aniquilariam quem quer que fosse que se encontrasse na fonte dos pulsos.
Ademais, embora não tenham sido desenvolvidos ainda, foguetes movidos a antimatéria consistem em uma alternativa plausível para a realização de longas viagens espaciais, como seria ir até Netuno. Mas os roteiristas parecem ter se perdido nos conceitos e misturado o que ocorre nas reações entre matéria e antimatéria com o que rola em reatores nucleares. No primeiro caso, simplesmente não acontecem reações em cadeia, já que a matéria e a antimatéria se aniquilam, produzem energia e pronto. Mas, no segundo sim, já que o processo de fissão rompe núcleos atômicos que, por sua vez, leva à liberação de nêutrons – que agem como os estilhaços de uma bomba e vão rompendo mais e mais núcleos. Além disso, ainda que a antimatéria pudesse causar tantos problemas, um mero motor de nave não teria quantia suficiente dela para pôr o Sistema Solar inteiro em perigo.
Tiroteio lunar
No filme, o personagem de Pitt precisa dar uma passadinha na Lua antes de seguir viagem, mas o Lado Oculto é basicamente um território dominado por piratas lunares. Então, enquanto Roy se desloca de uma base a outra no satélite, ocorre uma tremenda perseguição com direito a veículos voando até caírem em crateras e até tiroteio – onde armas que disparam raios energéticos entram em cena.
A sequência é uma das mais incríveis do filme e, apesar de não serem fornecidas informações sobre o funcionamento das armas, é plausível que um dia elas sejam usadas no espaço. Sobre os veículos “voadores”, considerando que a Lua possui apenas 1 sexto da gravidade da Terra, os bugues realmente levariam um tempo maior para “aterrissar” do que aqui.
Primatas espaciais
Durante a viagem da Lua a Marte, a espaçonave de Roy recebe um chamado de emergência de outra nave, uma que está conduzindo estudos no cometa 17P/Holmes. No entanto, ao embarcar no foguete em apuros, o personagem e seus companheiros são atacados por um primata – que é vencido por Roy e explode depois de ser colocado em uma área que é submetida à despressurização. Pois essa sequência tem diversos erros...
Para começar que não é nada simples fazer desvios ou paradinhas entre um trajeto e outro no espaço, uma vez que a quantidade de combustível necessária para essas manobras é simplesmente absurda – e se a propulsão da nave de Roy é baseada em motores movidos a íons, esse sistema não conseguiria fazer com que sua espaçonave saísse do lugar. Ademais, embora diversos animais já tenham sido enviados em órbita ao redor da Terra, por que alguém enviaria primatas até um cometa? Seja qual for o propósito da pesquisa no filme, os mesmos estudos certamente poderiam ser conduzidos na nossa baixa-órbita – e custar muito menos. E nem precisamos lembrar você de que nem humanos ou macacos explodiriam se fossem expostos aos rigores do espaço, né?
Natação marciana
Depois de chegar a Marte, a nave recebe ordens de partir com destino a Netuno sem Roy a bordo – mas o personagem consegue embarcar clandestinamente após nadar por um lago subterrâneo, chegando ao gigante gasoso 79 dias mais tarde. Considerando que a viagem da Lua até o Planeta Vermelho levou 19 dias (no longa), e que a distância que existe entre Marte e Netuno é entre 10 e 60 vezes superior à do primeiro trecho (dependendo de onde os 2 mundos se encontram em suas órbitas ao redor do Sol), o percurso deveria demorar entre 190 e mais de 1,1 dias. Sem falar que a mesma nave dificilmente teria capacidade de armazenar combustível para chegar tão longe. Aliás, e as provisões necessárias para tal empreitada, como ficam?
Sobre o mergulho no lago marciano, segundo Andy, os cientistas suspeitam que esses corpos hídricos existam, mas eles provavelmente se encontram a grandes profundidades, têm temperaturas extremamente baixas e possivelmente são incrivelmente salinos e tóxicos.
Telescópio errante
No filme, depois de a nave de Roy passar por Saturno, ela cruza o caminho com um telescópio espacial em órbita por aqueles lados. No entanto, ao contrário do que muita gente pensa, esses equipamentos não saem viajando pelo Sistema Solar e além para capturar imagens ou realizar estudos. Eles simplesmente são lançados em órbita ao redor da Terra, permanecendo a cerca de 2 mil quilômetros da superfície do nosso planeta.
Manobras radicais
Quando Roy finalmente chega a Netuno, ele descobre que está fora de curso e precisa usar uma navezinha secundária para chegar até o pai. Mas, ao não conseguir fazer a acoplagem, é obrigado a improvisar e acaba pegando carona no que parece um radar para retornar à nave – e usa um painel para se proteger dos materiais que orbitam o planeta. Contudo, como uma espaçonave com tecnologia suficiente para viajar até o gigante gasoso em tão pouco tempo não ofereceria a possibilidade de que a tripulação pudesse corrigir a sua trajetória? E, se hoje já existem sondas capazes de navegar através dos Anéis de Saturno, que são mais densos do que os de Netuno, não faz sentido que uma nave mais avançada não consiga passar pelos anéis de detritos que circundam o planeta.
Além disso, sobre usar um painel como escudo, as partículas que orbitam mais próximas do planeta se movem mais depressa do que se encontram nas áreas mais externas, podendo atingir velocidades de dezenas de metros por segundo, o que significa que passar por essa situação seria equivalente a tentar atravessar um campo de tiro – e um simples painel de satélite não serviria de muita coisa, na verdade.
Regresso explosivo
E, para finalizer, Roy decide detonar uma bomba atômica e usar a onda de choque resultante para “surfar” nela para ganhar aceleração e voltar à Terra. Segundo Andy, os norte-americanos chegaram a considerar o uso de bombas nucleares como método de propulsão durante o Projeto Órion, nos anos 50, mas acabaram engavetando a ideia por conta de todas as dificuldades e riscos envolvidos.
Contudo, no filme, a ideia é a de aproveitar a onda de choque gerada pela detonação – só que, na ausência de ar no espaço, ocorreria o choque da explosão, mas não se formaria uma “onda” como aqui na Terra e, considerando que a bomba fosse acionada em uma nave, o que ocorreria é que grandes quantidades de estilhaços seriam lançados e provavelmente matariam toda a tripulação da espaçonave pretendendo ganhar o empurrãozinho atômico.
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Como você viu, não faltam equívocos científicos e liberdades criativas em Ad Astra – Rumo às Estrelas. Mesmo assim, o filme é aguardadíssimo e já vem sendo superaclamado pela crítica, então, vale muito a pena assistir. Só vá ao cinema com a mente aberta e não analise demais a Ciência que você verá na telona.
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