Nem precisamos dizer que o veneno de cobras como a mamba-negra (Dendroaspis polylepis), a cascavel (Crotalus durissus) ou a taipan-costeira (Oxyuranus scutellatus) podem ser letais, certo? Pois um norte-americano chamado Tim Friede não só levou mais de 200 picadas dessas e outras criaturas igualmente perigosas voluntariamente, como injetou nele próprio as toxinas desses animais mais de 700 vezes, mesmo sabendo que corria sérios riscos de morrer. Por quê? Para ajudar cientistas a desenvolverem um soro antiofídico universal – e evitar que milhares de mortes decorrentes de picadas de cobras aconteçam todos os anos no mundo.
Causa nobre ou loucura?
Já faz mais de 20 anos que Tim – residente de Wisconsin de 51 anos de idade que nunca foi à universidade e trabalhava como caminhoneiro antes de se transformar em cobaia humana – se dedica a esse projeto incrivelmente perigoso. A ideia consiste em levar picadas ou injetar em seu corpo as toxinas produzidas pelas cobras mais letais do planeta para, assim, desenvolver defesas imunológicas contra a ação do veneno. Coisa de louco e algo que jamais deveria ser feito? Sem dúvidas! Mas parece que o norte-americano conseguiu conquistar progressos com essa maluquice.
Há alguns anos, Tim começou a postar vídeos no YouTube nos quais aparece segurando cobras letais e se deixando picar por elas. Segundo costuma dizer, a intenção não é a de ganhar fama – nem muito menos motivar outros loucos como ele a fazer algo parecido –, mas sim a de atrair a atenção de médicos e cientistas para apoiá-lo em sua causa.
Contudo, o norte-americano se tornou alvo de enxurradas de críticas e muitos pesquisadores, especialistas em veneno de cobras e médicos o acusam de adotar práticas antiéticas e extraordinariamente perigosas. Para você ter ideia, Tim já se submeteu a picadas seguidas de 2 das cobras mais venenosas do planeta e, em uma ocasião, se propôs a levar dentadas de 5 desses animais em um período de apenas 48 horas, mas decidiu parar depois da 4ª picada!
Além disso, ele já foi parar inúmeras vezes no hospital, teve que receber tratamento de emergência após receber doses muito altas de veneno ou superestimar sua resistência a determinada toxina e inclusive chegou a entrar em coma e ficar bem perto de morrer. No entanto, a missão (quase) suicida de Tim surtiu efeito, e a abordagem bem pouco ortodoxa serviu para atrair alguns cientistas à sua causa.
Autoimunização
Embora a grande maioria dos cientistas concorde que os perigos aos quais o norte-americano de expõe são muito maiores do que os benefícios – afinal, a cada picada, ele corre o risco de desenvolver infecções, alergias, sofrer falência de órgãos, necroses, além de, claro, de bater as botas –, exames apontaram que o organismo de Tim conta com o dobro de anticorpos para combater eventuais picadas de cobra do que uma pessoa normal.
Ademais, alguns (poucos) especialistas acreditam que as maluquices de Tim podem, sim, ajudar no desenvolvimento de soros mais eficazes e, quem sabe, levar ao surgimento de um antídoto universal. Um desses pesquisadores, o imunologista Jacob Glanville, decidiu abandonar seu cargo como cientista principal da Pfizer para montar sua própria companhia e focar no desenvolvimento de soros antiofídicos.
Tradicionalmente, para produzir antídotos para picadas de cobra, primeiro os medicamentos em teste são aplicados em laboratório em animais e, só depois de a sua segurança ser comprovada, é que eles são usados em humanos – sempre em ambientes controlados e seguindo rígidos protocolos. No caso, a empresa de Jacob possui amostras de sangue de Tim e, a partir delas, está conduzindo pesquisas e experimentos para a criação de um soro universal.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 5,4 milhões de pessoas são picadas por cobras todos os anos e, dessas, mais de 400 mil acabam desenvolvendo sequelas graves em decorrência dos ataques – e entre 81 mil e 138 mil acabam perdendo a vida. Tim garante que se expõe ao perigo para reverter esse panorama, mas, apesar de ser meio louco, o norte-americano não tem nada de bobo, e garantiu um contrato que renderá a ele muito dinheiro caso os anos de autoimunização deem origem a um novo antidoto.
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