Humberto estava apreensivo. Sua vizinhança não era mais a mesma. Uma onda de roubos aterrorizava os arredores de sua residência há semanas. Roubo de conexões sem fio. Alguns casos com requintes de crueldade, como o roteador da D. Eulália, que fora invadido sem dó nem piedade: “Perdeu, Wi-Fi Playboy!”.
Então o jovem decidiu se proteger. Mas como? Perdeu o sono diversas madrugadas até encontrar o “Manual Prático para Nomes e Senhas de Rede Wi-Fi”, que dizia enfaticamente:
O nome de uma rede diz muito. Se você quer amedrontar possíveis ladrões, o melhor a fazer é pensar naqueles avisos de que há um cão bravo na casa, geralmente em lares sem nenhum animal de guarda. O efeito é meramente psicológico, mas suficiente para evitar o compartilhamento indesejado.
A mensagem pode ser bem clara, como “Risco de morte”, “Clique, mas corra também”, “Perigo: Wi-Fi brava”, “Posso te ver”, “nem_tente”, “Wi-Fi do Rambo” etc. Você fuçaria na rede do Rambo? Não. Foi o que pensamos.
“É isso aí, vou mandar um recado para esses ladrõezinhos!”, pensou o empolgado Humberto, continuando a leitura:
Uma tática excelente, de guerra mesmo, é a dissuasão.
Certamente o meliante pensará duas vezes ao se deparar com as redes “cavalodetroia.EXE” (o EXE é fundamental), “Rede para testes de vírus”, “Vírus grátis, pegue o seu aqui”, “H1N1”, enfim. O segredo é fazer o inimigo pensar se vale a pena pisar no seu território.
Aqui o diálogo está proibido. Nem pense em nomes como “Por favor não roube” e derivados. Tome controle da situação e abuse dos imperativos se for o caso: “Não roube, [palavrão]”, “Sai daqui, [palavrão pior ainda]”, “Isso não é público, [palavrão devastador]”.
Humberto nunca foi de falar palavras chulas, mas, tendo em vista o perigo iminente, chegou a considerar e quase deixou escapar um palavrão daqueles: “Ainda mato esses... Bocós!”.
Definitivamente, esta parte do manual não era para ele, que continuou a ler:
Nomes também servem como maneira de conhecer e compartilhar ideias com a vizinhança, por que não? Tem alguém fazendo muito barulho? Simples, que tal deixar isso claro? “Ap 22 é barulhento”, “Eu te ouço, vizinho”, “Dá pra maneirar de madrugada, 101?”, “Olha o rala e rola no 41”, “Barulhentos do 3º andar, parem” etc.
Se a sua política é do bom humor e clima amistoso, tudo bem. Nada como quebrar o gelo e a animosidade com nomes simpáticos e inofensivos. Caso dos nomes “Uai-Fai”, “Uairiless”, “Rede para deitar”, “Juninho Paz e Amor”, e por aí vai.
Então Humberto chegou à conclusão de que ele não era mais o mesmo. Começou como o gente boa, até negociou o empréstimo de sua conexão para uma bonita vizinha, mas viu que ela exagerava nos downloads e acabou com a permuta, trocou a senha. Prosseguindo com a leitura, chegou ao capítulo V do manual: senhas.
A senha é como uma extensão do nome. Imagine que você vai à casa de um amigo com um notebook. Você pede, encarecidamente, a senha para usar a internet rapidinho, aquela coisa de checar email. “Chocolatecompimenta” é a senha, ele diz. A sua reação é normal, afinal a sua senha é “obozochegou”.
Pensar em senhas é uma arte, e em uma dessas sempre é possível criar expressões fantásticas em uma espécie de neologismo wireless. Uma prática comum é olhar para um dos lados e fixar o primeiro objeto, e então você olha para o outro lado, fixa em outro objeto, junta tudo e monta sua senha. Um exemplo de resultado: “caféfaca”. Como alguém ensinou que é mais seguro usar números, você adiciona: “caféfaca15”. Pronto, uma senha aleatória perfeita.
Fonte da Imagem: Think Geek.
Quando estava olhando à sua volta, montando uma senha infalível na cabeça, Humberto percebeu uma movimentação na rua. Era um sujeito estranho, com um notebook, e parecia uniformizado com uma camiseta e um boné que brilhavam. Reconheceu o desenho na camiseta, era o mesmo do indicador de rede sem fio.
Eram identificadores de rede, praticamente uma iguaria geek. O bandido! O meliante fugiu, e Humberto não dormiu naquela noite e passou a fazer campana. Até que um sujeito apareceu. Parecia ter uma lata de achocolatado ou batatas na mão. De dentro dela saia um fio ligado diretamente no computador. Humberto se emudeceu.
“Eu li sobre esses malucos! Eles fazem suas próprias antenas Wi-Fi com lata! É outro ladrão!”.
Mais uma semana sem dormir. E ele percebeu que o muro de sua casa estava marcado, escrito “SSID WEP”. Ele sabia do que se tratava: eram os milicianos que identificavam pontos de acesso e os marcavam para ajudar outros milicianos!
Então chegou à conclusão que vacilou em manter somente a proteção WEP do roteador. Precisava de mais, precisava da proteção WPA.
A vida de Humberto, no entanto, mudou dias depois, quando reparou um carro circulando lentamente pela vizinhança, e mais lentamente quando passava em frente a casa dele.
“São eles! Eles estão fazendo o ‘wardriving’, estão circundando a vizinhança em busca de conexão! Eles podem levar a minha vida, mas nunca vão levar minha internet!” — berrou o jovem.
Tarde demais. Um homem desceu do carro, se aproximou de Humberto, sussurrando: “Passa a rede”. “Mas eu não tenho nada”, Humberto tentou responder. Em vão. Os ladrões levaram tudo. Vinte e cinco gigabytes baixados em dois dias, enquanto o jovem mal conseguia acessar seu email.
Humberto ficou traumatizado, chegou ao ponto de se dependurar da janela, ameaçando se jogar enquanto berrava: “Vou voltar a usar o cabo, cadê a droga do cabo de rede?”.
Mas juntou forças. Começou mudando o nome da rede para “V de Vingança”, acionou a proteção WPA e tirou uma carta da manga: escondeu a SSID. Seu roteador, apesar de ferido, estava vivo, e agora os 25 GB baixados seriam só seus. Nunca mais sonhou com antenas de lata, camisetas com detectores. Chegou a jogar o cabo de rede no lixo.
Voltou a emprestar a conexão para vizinhas bonitas, sempre em bons termos. Chegou à conclusão de que redes Wi-Fi são muito mais do que conexões com a internet. Melhor do que usá-las como fortalezas, ele as usa como maneira de se relacionar com vizinhos. Quem sabe as condições dele, além da senha, será sempre bem-vindo.
Finalmente veio a paz. Para todos.
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Atenção: este artigo faz parte do quadro "Erro 404", publicado semanalmente no Baixaki com o objetivo de trazer um texto divertido aos leitores do site. A história é fictícia, mas não deixe de comentar: quais são os seus problemas com Wi-Fi? Participe!