De um lado, os mais recentes consoles do mercado com lançamentos na área de games. Do outro, drones, softwares inovadores e até um óculos de realidade virtual. No centro, mesas e cadeiras de plástico com pessoas de todas as idades jogando... Cartas de papel.
Esse fenômeno curioso foi observado durante a feira Tudo Geek Show, em Curitiba, que teve cobertura completa do TecMundo — só que arrisco que ele acontece em todos os lugares. Mesmo com a pressão das tecnologias mais inovadoras, passatempos mais rústicos não só sobrevivem como encontram segmentos comerciais bem interessantes que garantem que eles durem ao menos mais algum tempo.
"As cartas sempre vão existir, não adianta. A tecnologia está aí, mas a brincadeira é diferente... Lá (no computador), falta um adereço", diz Felipe Ponce, que é representante da marca de baralhos e cartas Copag. O argentino já rodou o Brasil exibindo os produtos da empresa e alegou que a situação é a mesma em todos os cantos. Ele mesmo cita que é possível jogar pôquer ou card games de grandes marcas por Skype ou em softwares, mas a experiência está longe de ser a mesma. Segundo ele, só pessoalmente é possível avaliar o jogo e comunicar certas coisas.
Sem idade para começar (ou parar)
Você acha que só os seus avós jogam baralho? O público dos jogos de cartas é muito variado. Há produtos voltados para adultos, como jogos de estratégia cheios de regras e complexidades, e para crianças, como materiais didáticos ou temáticos — até aqui, a Galinha Pintadinha é onipresente e onipotente entre o público infantil.
As estudantes e amigas Larissa Kaory, Camila Saory e Luane Yukani experimentaram alguns lançamentos de card games na Tudo Geek Show e passaram horas se divertindo com um desafio simples que envolve adição e raciocínio rápido, tudo para tocar um sino que fica entre os jogadores. “É uma forma de todo mundo jogar e aproveitar. Se eu chamo a minha mãe para jogar no computador, ela não quer. Assim é mais divertido”, responde Saory.
Também expositor na área da Copag e ele mesmo um jogador veterano de Yu-Gi-Oh! (desde 2003) e Pokémon (sua mais forte febre), Álvaro Silva abandonou as cartas por alguns anos, mas retomou as partidas. Ainda hoje, participa de regionais da área e busca a pontuação para competir no torneio nacional da franquia da Nintendo. Ele é uma das pessoas que até gosta de tecnologia, mas acha que essa overdose de gadgets não é uma coisa boa. “Hoje, o mundo está na realidade virtual. Hoje, você está no Facebook falando com os amigos. Eu gosto do real, não fico tanto tempo online”, diz o jovem, que até hoje usa por opção própria um feature phone, um celular sem todas as características de um smartphone.
Quem ainda não consegue se desvincular do mundo virtual pode aproveitar games com temática card game, como Hearthstone: Heroes of Warcraft, a série de títulos Yu-Gi-Oh! e Pokémon Trading Card Game, a maioria para consoles portáteis. Há ainda incontáveis títulos mais casuais das mais diversas desenvolvedoras para tablets e smartphones.
Mais que uma distração
Segundo Ponce, as maiores críticas feitas aos card games é que eles são um passatempo de bar, uma atividade inútil feita somente para o lazer. Ele contesta esse preconceito. "Percebi que as cartas são importantes para o desenvolvimento da pessoa. Eles ajudam com lógica, memorização. Eu fico mais atento para algumas coisas e isso é muito por causa dos jogos", alega. E ele tem gabarito: nos eventos, passa até dez horas demonstrando produtos que envolvem velocidade de pensamento, cálculos matemáticos básicos e observação.
Essa é uma das funções de Ponce e Silva: com os produtos em exibição e contando as próprias experiências, convencer as pessoas de que os jogos de cartas podem até mudar vidas.
A Copag é uma fabricante de baralhos com mais de cem anos, mas só há pouco tempo decidiu usar a experiência e o maquinário para expandir os negócios aos card games. Atualmente, a Copag publica o Trading Card Game de Pokémon, além de baralhos tradicionais temáticos que vão de “The Big Bang Theory” a “Lanterna Verde”. Outro sucesso é o jogo Battle Scenes, da Marvel, que já está na terceira temporada de lançamentos.
Função social e educacional
Agora, uma curiosidade: Ponce revela que o segmento que mais cresce nos card games não é o de grandes franquias, apesar de Marvel, Pokémon e Galinha Pintadinha apresentarem bons números. Os card games didáticos é que estão em evidência, pois já são vistos com bons olhos até por psicólogos, professores, pedagogos e médicos de várias áreas.
O "Pingo no i" é um desses exemplos. Em vez de números, as cartas são letras e o seu objetivo é descartá-las enquanto forma palavras — mesma regra do buraco, só que auxiliando no raciocínio em português e na formação de vocabulário.
Já Silva aponta outro benefício: o social. Já há anos participando de encontros e campeonatos, ele percebe que o público antes era muito escasso ou formado somente por colecionadores, não jogadores. Agora, alguns veteranos cresceram e continuaram jogando, enquanto crianças bem novas já trilham o mesmo caminho – a faixa etária do público de Pokémon, inclusive o competitivo, vai de dez a quarenta anos. Se depender dessas pessoas, os jogos de cartas podem até ficar amarelados, mas sempre terão um espaço especial na estante, nem que seja ao lado de um PC ou console da moda.
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