Demissão em massa no Brasil: por que as mulheres são maioria?

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As incertezas econômicas, atreladas a cortes de investimentos (sobretudo das startups) e até redução de salários altos têm sido usados como justificativa para a onda de demissões no Brasil e no mundo. O movimento se espalhou aos poucos a partir da metade de 2022, mas vem se acentuando em 2023 (e o ano mal começou).

Segundo a plataforma Layoffs.fyi, que centraliza esses dados lá nos EUA, 126 mil pessoas foram desligadas até agora na indústria de tecnologia global; do total, 45% são mulheres — lembrando que elas ocupam menos cargos no setor.

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Já de acordo com o Layoffs Brasil, de junho de 2022 até o momento 7 mil trabalhadores foram impactados no nosso país e, diferentemente do cenário geral, a fatia de trabalhadoras desligadas é superior aos demais grupos.

É aí que surge a pergunta: por que as mulheres têm sido o maior alvo do movimento?

Digitalização e boom de contratação

A resposta para essa questão não é tão simples de responder, pois exige um olhar mais atento sobre outras mudanças recentes no universo corp. A primeira delas é entender que na pandemia rolou um fenômeno inverso, ou seja, as empresas de tecnologia contrataram absurdamente, mas sem muito planejamento de longo prazo.

Isso porque houve uma forte digitalização e consequente demanda por soluções especializadas — bancárias, e-commerce, delivery, produtividade etc. Essas áreas, portanto, começaram a bombar e receber mais investimento.

tbDigitalização na pandemia no Brasil fez contratações bombar. (Fonte: HostGator/2020)

O otimismo era geral, embora nada garantisse que a procura por essas inovações seria mantida com a chegada das vacinas. À medida que se precisava de novos profissionais, as vagas voltadas para diversidade ganharam atenção.

Por que as mulheres foram mais demitidas?

Para também equilibrar seus times, as empresas começaram a contratar mais profissionais mulheres, além de não brancos e LGBTQIAP+. Já no momento das demissões em massa, adotaram o critério de “last in, first out” (“último a entrar, primeiro a sair”). Ou seja, a galera recém-contratada e que, por conseguinte, encaixava-se nesses perfis perdeu o emprego.

Contudo, existem outras razões para o público feminino ser o mais impactado com os layoffs.

Em minha opinião, é uma tomada de decisão extremamente enviesada, pois entra na conta o preconceito que se tem contra mulheres no universo profissional. A sociedade em geral pensa que o homem prioriza o trabalho, e a mulher tem outras prioridades, como a família e a maternidade”, argumentou ao The BRIEF Jhenyffer Coutinho, CEO e fundadora da Se Candidata, Mulher!, startup especializada em recolocação e aprimoramento de carreira para quem se identifica como mulher.

“É um estereótipo conduzido socialmente e que precisamos mudar”, completou.

tbGrupos diversos em geral foram mais impactados nos desligamentos.

Demissão fingida: o que é quiet firing?

Elas também lutam contra comportamentos inadequados nos escritórios, especialmente em ambientes altamente competitivos. Uma pesquisa realizada pela plataforma Catho com 2,3 mil mulheres revela que 38,4% relataram ter passado por algum tipo de assédio moral e 33,2% destacaram que esse tipo de conduta partia de um líder direto.

  •  Por falar em disputa, o “quiet firing” (“demitir silenciosamente”) é um movimento que pode ganhar força com a onda de demissão em massa, mas para quem teve o emprego poupado. No bom português, isso consiste em criar meios de travar sua produtividade, desempenho e comunicação no trabalho.

O motivo? O clima de insegurança e ansiedade leva algumas pessoas a puxarem o tapete de outras para provar seu valor perante a chefia.

tbMulheres podem ser alvo de quiet firing em empresas que passaram por cortes.

Como identificar o quiet firing

Essa estratégia do mal tem como objetivo desmotivar a vítima, ao ponto de ela pedir as contas. Caso a situação se estenda por um período maior, a empresa é convencida a fazer o desligamento.

Saca só comportamentos comuns do quiet firing:

1) demandas de trabalhos ou projetos desafiadores são reduzidos sem qualquer feedback negativo;

2) queda de convites para reuniões;

3) rotina bruscamente alterada, evitando a execução até mesmo de atividades específicas do cargo;

4) recebimento de tarefas sem foco ou quase impossíveis de concluir.

Se você se vê nessa situação, talvez seja hora de trocar ideia com colegas de confiança — mas sem fofoca —, para se certificar sobre o motivo dessas ações ou até mesmo buscar ajuda no setor de RH.

Como falamos ali em cima, as mulheres são alvo recorrente de assédio moral, cujas características batem com o quiet firing. Logo, esse é um tipo de “demissão” que vale ficar de olho não só por conta da questão empregatícia, mas pelo bem da saúde mental.

Projetos ajudam na recolocação profissional

As demissões no Brasil também estão impulsionando iniciativas para ajudar na recolocação de profissionais impactados. Criado em junho de 2022 por João Gabriel Santos, o Layoffs Brasil vem ganhando evidência nesse sentido.

“Eu precisava recrutar alguns profissionais para uma empresa que eu trabalhava. Na época, já estavam acontecendo demissões no mercado de tecnologia e eu via amigos muito qualificados sendo demitidos de excelentes empresas”, contou Santos ao The BRIEF.

“Estavam rolando algumas listas dos desligados pelas próprias companhias, mas não havia um lugar para centralizar toda essa informação. Então eu falei: por que não fazer um site?”, completou.  

“Em janeiro deste ano, a gente fez melhorias com foco em virar uma base de dados estruturada e traçar o perfil desses profissionais desligados”, revelou. O intuito do projeto é colocar esse pessoal em evidência e, ao mesmo tempo, fornecer uma plataforma com pesquisa por características adequadas às vagas em aberto.

tbLayoffs Brasil tem ajudado a conectar profissionais despedidos a empresas. (Fonte: Layoffs Brasil/Reprodução)

Vamos, galera, mulheres!

Relatórios do Layoffs Brasil fornecidos ao Brifão mostram que o reflexo desses cortes sobre as mulheres tem sido desigual em variados níveis da indústria. Elas representam 58% da fatia dos desligamentos em cargos de liderança e 71% de estágios, por exemplo.

  • Esse problema foi o combustível para o projeto firmar uma parceria inédita com a Se Candidata, Mulher! Fundada em 2020 por Jhenyffer Coutinho, a startup já impactou mais de 18 mil pessoas, por meio de eventos e turmas de sua plataforma SCM Academy.

A empresa visa “ajudar e encorajar mulheres a se candidatarem a vagas de seu interesse e conectá-las a empresas que querem contratá-las”, explicou a CEO. Sendo assim, a união entre os projetos têm oferecido suporte na busca por recolocação no mercado de trabalho nos últimos desligamentos.

tbFonte: dados fornecidos pelo Layoffs Brasil ao The BRIEF

As interessadas fazem uma inscrição gratuita no site do Layoff Brasil e são direcionadas para a plataforma SCM Academy. Durante 15 dias, elas têm acesso a conteúdos exclusivos, além de exercícios, suporte sobre etapas de processos seletivos, planejamento e transição de carreira, dentre outros temas.

Ainda contam com profissionais de referência do mercado em suas áreas de atuação, como a LinkedIn Top Voice e expert em ESG Andreza Maia e a mentora de carreira Ana Clara Paiva. A primeira turma foi formada neste mês de março e vem chamando a atenção das profissionais recém-desligadas.

  • Segundo Coutinho, a SCM Academy, de modo geral, acumula feedbacks para lá de positivos: “em até 3 meses essas mulheres conquistam um novo emprego, sendo que a média do mercado de recolocação é de 8 meses (de acordo com dados do IBGE)”.

A plataforma também coleciona cases de mulheres que ocuparam a função desejada, após participarem de turmas anteriores. “Estou muito feliz de ter sido recolocada na minha área e confesso que pensei que esse dia fosse demorar”, disse uma delas em depoimento fornecido pela startup ao The BRIEF.

Mercado de tecnologia e diversidade (?)

Os dados, depoimentos e informações apresentados aqui mostram que não basta as empresas contratarem com foco em diversidade. É preciso um plano robusto e de longo prazo para reter profissionais com esse perfil.

Aliás, um estudo da ONG gringa AnitaB.Org mostra que a indústria de tecnologia historicamente tem ~dificuldade~ em mantê-los por um longo período. Resumindo a conversa: esses trabalhadores tendem a ter uma trajetória encurtada.

Os efeitos disso são dificuldade em avançar na carreira, instabilidade financeira e redução do potencial de ascensão social. Enfim, há muita coisa para melhorar, não é mesmo?

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