Soluções baseadas em inteligência artificial (IA) vieram para ficar. Um estudo da Lambda3, empresa de desenvolvimento de software focada em conceitos e metodologias ágeis, revela que 80% das pessoas no Brasil já utilizaram tecnologias do tipo pelo menos uma vez. O Chief Data Officer da companhia, Diego Nogare, destaca que os demais 20% negaram o uso por aparente desconhecimento, pois declararam ter tido contato com aplicativos como Waze, Google Maps, Facebook e Instagram.
Uma pesquisa da Ipsos — empresa de pesquisa e inteligência de mercado —, realizada para o Fórum Econômico Mundial, mostrou que 57% dos brasileiros acreditam que serviços e produtos com IA oferecem mais vantagens do que desvantagens.
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Empresas estão atentas a esse movimento, pois 41% delas afirmam que já usam recursos dessa categoria em operações comerciais, como aponta o Índice Global de Adoção de IA de 2022, desenvolvido pela Morning Consult, da IBM; já 34% dizem que estão explorando o uso.
Grande parte do sucesso da inteligência artificial pode ser explicado pelos avanços do setor. Isso porque, além de ela estar presente no dia a dia de maneiras mais sutis (como em sistemas operacionais de celulares e computadores, chatbots e recomendações de serviços de streaming, redes sociais e afins), vem se destacando pela aplicação em cenários mais avançados, como na otimização do tempo de vida útil de baterias de veículos elétricos e até na indústria cinematográfica.
Ainda assim, cientistas continuam se dedicando ao aprimoramento de soluções de IA visando a torná-las mais eficientes na realização das tarefas para as quais são construídas — e a resposta para inteligências artificiais mais espertas pode estar na capacidade de elas desenvolverem senso comum, considerado uma espécie de "matéria escura" da área.
Cientistas se dedicam continuamente ao aprimoramento de inteligências artificiais. (Fonte: rawpixel.com/Freepik/Reprodução)
Nem só de regras vive a humanidade
Inteligência artificial é a disciplina que busca, por meio da tecnologia, permitir que máquinas e aplicações computacionais mimetizem a inteligência humana, como explica um artigo da Colorado State University Global. Sistemas que se baseiam nela conseguem responder a perguntas, prever situações e oferecer soluções estratégicas graças ao aprendizado que adquirem via experiência baseada em processamento iterativo (execução repetida de uma sequência de instruções e validação conforme resultados) e treinamento algorítmico.
Essencialmente, um sistema de IA atua a partir de grandes conjuntos de dados, identificando padrões e funcionalidades voltados à resolução de problemas complexos. Acontece que, apesar de algumas ferramentas atualmente transformarem qualquer coisa em letra de música e gerarem todo tipo de imagem, uma das limitações impostas a modelos de aprendizado atuais é a ausência de senso comum que apresentam, mesmo que haja alegações de um protótipo senciente por aí.
Robôs, por enquanto, atuam baseados em algoritmos, que, de forma simples, são apenas comandos. Por outro lado, o senso comum, diferente da inteligência, é algo inerente e natural a seres humanos, uma habilidade que não se pode ensinar.
Uma vez que o objetivo de pesquisas em IA é aplicá-la efetivamente a situações do mundo real — em que problemas são imprevisíveis, vagos e não definidos por regras —, soluções baseadas nessa ciência, ao menos no estágio em que se encontra, acabam invariavelmente esbarrando em obstáculos incontornáveis.
Modelos atuais esbarram em conceitos existentes no mundo real. (Fonte: rawpixel.com/Freepik/Reprodução)
Por que o senso comum importa?
Máquinas, se munidas de senso comum, poderiam garantir melhor assistência ao consumidor, ultrapassando os limites de interações pré-programadas baseadas na oferta de alternativas e respostas prontas, bem como mais segurança ao funcionamento de carros autônomos em eventos não previstos em rodovias, por exemplo. Entretanto, a implementação de tal capacidade não é uma tarefa simples.
Desde 1958, houve poucos avanços relacionados à concretização da proposta. Naquele ano, o pioneiro da Ciência da Computação John McCarthy publicou o artigo Programas com senso comum (em tradução livre), em que analisou como a lógica poderia ser usada como método de representação de informação em memória computacional. A dificuldade, que se estende até hoje, tem a ver com fato de que senso comum não se trata de uma característica precisa, portanto repleta de variáveis ocultas.
Senso comum compreende não apenas habilidades sociais e raciocínio, mas também um "senso ingênuo de Física", segundo defende Michael Witbrock, pesquisador de IA da Universidade de Auckland (Nova Zelândia). Com o senso comum, seres humanos detêm certos conhecimentos de Física sem a necessidade de resolver equações (como quando evitam se aproximar de um precipício em um dia de vento forte). Nesse sentido, entra na conta, também, o conhecimento básico de elementos abstratos, a exemplo de tempo e espaço, possibilitando planejamentos, estimativas e organizações.
Desse modo, antes mesmo de se pensar no lançamento de inteligências artificiais capazes de inferir coisas baseadas em situações reais — ação executada por pessoas desde a infância —, é preciso avaliar o que, de fato, caracterizaria tal capacidade e quão perto essas tecnologias estão de conquistá-la. Cientistas da IBM, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade Harvard criaram um teste justamente para esse tipo de avaliação, o AGENT, uma ferramenta de diagnóstico promissora.
Senso comum é essencial para a evolução de soluções baseadas em IA. (Fonte: rawpixel.com/Freepik/Reprodução)
AGENT: tornando inteligências artificiais mais espertas
A sigla AGENT contempla termos em inglês para ação, objetivo, eficiência, limitação e utilidade e se refere a um conjunto de dados em grande escala de animações 3D, inspiradas em experimentos que estudam o desenvolvimento cognitivo em crianças, um conjunto voltado ao treinamento de máquinas.
De acordo com a IBM, "os vídeos compreendem ensaios distintos (cada um incluindo um ou mais vídeos de 'familiarização' do comportamento típico de um agente em determinado ambiente físico) emparelhados com vídeos de 'teste' do comportamento do mesmo agente em um novo ambiente, que são rotulados como 'esperado' ou 'surpreendente', dado o comportamento do agente nos vídeos de familiarização correspondentes".
Para o benchmark, é necessário que modelos de aprendizado de inteligências artificiais classifiquem os vídeos de teste com os quais são alimentados a partir do que assimilaram com os conteúdos voltados à familiarização.
Trata-se de uma validação do potencial analítico da máquina comparado aos resultados de ensaios de avaliação humana em grande escala; o sucesso resulta na possibilidade de garantir às IAs um espectro de consciência social, o que as torna aptas a interagir com humanos em ambientes reais.
Esse experimento, o AGENT, sugere que representações integradas de como os humanos planejam coisas são essenciais para que robôs desenvolvam uma espécie de senso comum. Nesse sentido, é preciso combinar senso básico de Física e "trocas baseadas em custo-benefício", o que significa garantir às inteligências artificiais uma compreensão de como os humanos agem "com base na utilidade, equilibrando as recompensas de seu objetivo com os custos de alcançá-lo".
Futuramente, a IBM acredita que diagnósticos como esse podem reduzir significativamente a necessidade de treinamento de modelos de aprendizado, garantindo a empresas redução de demanda computacional, tempo e dinheiro, além de inteligências artificiais mais espertas com menos esforço.