Atenção! A matéria a seguir discute os acontecimentos da primeira temporada de Westworld, incluindo a season finale, e a leitura é recomendada para os espectadores que já assistiram à temporada até o fim.
Westworld alcançou o impensável. Com uma narrativa audaciosa e labiríntica, promoveu aos espectadores uma reflexão sobre o que caracteriza a nossa individualidade – o que define nossa personalidade, identidade e consciência.
O gênero de ficção científica é um dos melhores meios para tratar de temas filosóficos e existenciais, trazendo questões pertinentes da humanidade através de analogias e metáforas narrativas e audiovisuais.
Westworld chega ao final da narrativa de Dolores. Fonte da imagem: Divulgação/HBO
Westworld não fala apenas de robôs e de um levante dos ‘anfitriões’ contra seus criadores, mas discute em suma o ser humano.
Diferença e Repetição
Através das tramas de Maeve, Bernard e principalmente de Dolores, Westworld desenvolve essencialmente temas sobre o despertar da consciência, a estruturação do pensamento, a memória e a identidade.
De certa maneira, a narrativa sobre os ‘anfitriões’ (como são chamados os robôs dentro da série) discute princípios da formação do pensamento, sobre o que fica impresso em nossa memória, sobre os caminhos e escolhas que fazemos na vida, e como isso define nossa identidade.
O loop de eventos dentro do parque de Westworld, onde os anfitriões são condicionados a repetir as mesmas ações e a seguir as mesmas diretrizes narrativas, faz um paralelo à nossa própria maneira de aprender (a falar e a escrever, por exemplo).
A repetição leva à diferenciação de Dolores. Fonte da imagem: Divulgação/HBO
Ao mesmo tempo, a repetição – e com ela, a diferenciação – é um dos principais constructos formadores do pensamento (e seria negligente não mencionar que há teorias acadêmicas, de Gilles Deleuze, que embasam esse ponto). Grosso modo, a diferença é o que coloca o pensamento em ação e produz transformação.
Como o Dr. Ford revela no último episódio desta primeira temporada, todo o experimento do parque de Westworld – com suas narrativas controladas e em repetições, com os devaneios dos anfitriões, as alterações e as diferenciações dos ciclos – nada mais era que um ensaio para despertar a consciência e dar autonomia aos anfitriões.
O 'eu' no centro do labirinto
O arco narrativo deste primeiro ano de Westworld é como o jogo de labirinto que Dolores tenta resolver. A jornada se define pelo objetivo de chegar ao final, e então, sustentar a bola (o ‘eu’) no centro/no controle. E como descobrimos, Dolores chegou várias vezes perto do final, mas precisou repetir ‘o pensamento’ algumas vezes.
Ao finalmente desvendar o fim do labirinto, Dolores percebe que a voz que a guia não é de Arnold/Bernard ou de um criador (nem de Dr. Ford, nem de Deus), mas de si mesma. É essa revelação que leva à sua transformação, libertando-se do condicionamento programado para ganhar autonomia e aceitar sua personalidade – como Dolores e, especialmente, como Wyatt!
Dolores assume sua 'persona' Wyatt. Fonte da imagem: Divulgação/HBO
Vemos que esse experimento estava sendo desenvolvido há muito tempo pelo Dr. Ford, implantando elementos nas narrativas do parque, gerando pequenas diferenciações a cada repetição.
Uma das analogias criadas por Ford para alcançar seu objetivo é apresentar a Dolores o quadro da “Criação de Adão”, de Michelangelo, onde a imagem de Deus dando vida ao homem é representada como um fundo que remete à figura do cérebro humano. Nesse momento, Dr. Ford reintera a importância da mente na noção de autoconsciência.
Westworld também trabalha questões nietzschianas ao sugerir que o Dr. Ford precisa morrer para Dolores completar seu despertar de consciência (e assim dar início a uma nova etapa do parque e dos anfitriões). A figura do criador é assim eliminada, libertando os seres sintéticos para pensarem por si mesmos.
O criador Dr. Ford precisa ser eliminado para libertar os anfitriões. Fonte da imagem: Divulgação/HBO
Ao se tornar a figura central no despertar dos anfitriões, Dolores conta para Teddy sua grande revelação, entendendo que: “Este mundo não pertence a eles (humanos), pertence a nós (anfitriões)”.
Essa é a deixa da série para a próxima temporada, que terá o desafio de mostrar esse levante e essa rebelião dos anfitriões contra os humanos.
Consciência humana e artificial
O primeiro ano de Westworld termina com Dolores/Wyatt atirando contra membros do conselho de Delos; Maeve fugindo e então retornando ao parque (um retorno condicionado ao conhecido ou uma tomada de decisão espontânea?), e o Homem de Preto/William enfrentando anfitriões que estavam no depósito e que agora têm autonomia e capacidade de ferir humanos – exatamente como ele sempre quis!
A rebelião dos anfitriões começa no final da primeira temporada. Fonte da imagem: Divulgação/HBO
Ainda que o foco do programa esteja nos seres criados em laboratório, o que Westworld deixa para nós, humanos espectadores, é um questionamento sobre nossos próprios condicionamentos, nossos comportamentos repetitivos, nossas relações de memória e, por fim, sobre como podemos libertar nosso pensamento de preceitos e pensar diferente. Esso é o verdadeiro despertar de consciência proporcionado por Westworld.
Via Minha Série
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