É praticamente impossível assistir ao vídeo acima sem ficar intrigado pelo o que as imagens mostram. O apresentador aponta a chama de um maçarico diretamente para a casca de um ovo e é como se nada acontecesse: ele permanece intacto, sem estourar e muito menos rachar. Em certo momento, é possível ver que ele fica avermelhado, mas o apresentador constata que ele só está levemente aquecido.
Definitivamente, aquele não é um ovo comum. Ele foi revestido com uma fina camada de Starlite, material inventado por Maurice Ward, no início da década de 90, e que servia como um forte isolante térmico. Na época, essa inovação parecia ser a solução para diversas áreas, já que poderia ser usada para revestir aviões, aparelhos eletrônicos, portas e qualquer objeto que necessite de uma proteção contra altas temperaturas.
Porém, Maurice Ward morreu em 2011, sem nunca ter vendido o Starlite. Uma das últimas notícias sobre o inventor e sua criação ganhou a mídia em junho de 2010, quando Ward sugeriu à imprensa que o material poderia ser usado para bloquear o vazamento de óleo provocado pela empresa BP, no Golfo do México.
Mas por que um invento tão promissor não conseguiu ser vendido? Será que tudo não passava de uma farsa criada por Ward?
A excentricidade de Maurice Ward
A superproteção de Maurice Ward dificultou o sucesso de seu invento (Fonte da imagem: The Telegraph)
Mais de 20 anos depois, o mundo começa a se interessar, novamente, pelo material milagroso criado por Maurice. Em um artigo publicado recentemente na revista New Scientist, é traçado um perfil sobre a personalidade do inventor, que não parecia ser uma pessoa muito fácil de lidar.
Ward, que trabalhava com muito orgulho como cabeleireiro em 1960, também chegou a ter uma pequena empresa de plásticos no norte da Inglaterra. Nas horas vagas, ele era um inventor amador e até mesmo comprou equipamentos pesados de uma grande indústria química da Inglaterra. Dessa forma, Ward podia produzir suas próprias peças plásticas.
Com barba branca, gravata borboleta e pensamentos irreverentes, o inventor britânico sempre manteve a fórmula do Starlite em segredo. Quando perguntado pelos jornalistas sobre o método de produção do misterioso material, ele costumava responder que o criava na mesa da cozinha, com um simples processador de alimentos, e que entre os ingredientes estavam farinha de trigo e fermento em pó.
O Starlite é real?
Por fora, o ovo parece torrado. Por dentro, ainda está cru. (Fonte da imagem: Maurice Ward)
Ao que tudo indica, o Starlite sempre foi uma invenção verdadeira. Há, por exemplo, testes feitos por laboratórios dos governos britânico e norte-americano que comprovam a existência do material. Além disso, pessoas importantes, como o químico e conselheiro do Ministério de Defesa do Reino Unido (MDRU), Ronald Mason, costumavam tecer elogios sobre a invenção de Ward.
Em 1991, cerca de 18 meses depois do Starlite aparecer no programa de televisão do vídeo no início deste artigo, Ward permitiu que o MDRU pudesse analisar sua criação, porém com uma condição: os oficiais não tentariam descobrir quais eram os ingredientes usados na composição do material.
E qual é a primeira coisa que cientistas fazem quando estão investigando um material desconhecido e capaz de aguentar temperaturas absurdamente altas? Acertou quem disse “disparam um laser muito potente contra ele”. O cientista sênior do MDRU, Keith Lewis, ficou impressionado com o resultado: a placa de Starlite foi apenas levemente danificada depois de ser atingida por um raio laser de 1.000 milijoules por pulso.
Também foram realizados testes pelo Atomic Weapons Establishment (AWE), laboratório responsável pelo desenvolvimento e fabricação das armas atômicas do Reino Unido. Na ocasião, foi comprovado que o Starlite era capaz de aguentar temperaturas acimas dos 1.000 ºC.
Resistência a temperaturas altas seriam ideais para a fuselagem de aviões (Fonte da imagem: Maurice Ward)
Hoje, não resta dúvida sobre a veracidade do material criado por Ward, porém a paranoia protecionista do inventor impediu Lewis e outros pesquisadores de publicarem suas experiências em revistas científicas. Entetanto, eles puderam constatar que o Starlite era um polímero, composto por materiais orgânicos e inorgânicos, incluindo plástico, cerâmica e boratos.
Ward nunca falou sobre a receita do Starlite. Uma das poucas informações que ele gostava de divulgar era o fato de que a produção desse material envolvia a mistura de 21 compónentes. Mesmo assim, Lewis e o Ministério de Defesa do Reino Unido apostavam fortemente no sucesso da invenção.
Dificuldades de negociação
Durante a mesma época, Ward tentou vender seu produto para fabricantes em potencial. Diversas empresas de grande porte demonstraram interesse pelo Starlite, mas Ward não era uma pessoa muito fácil. Em um dia, ele cobrava £ 1 milhão (cerca de R$ 3,17 milhões) e, no outro, subia o preço para £ 10 milhões.
Em entrevista para a New Scientist, o advogado de Ward, Toby Greenbury, conta que possíveis parceiros também sofriam para extrair informações técnicas do inventor. Ward simplesmente não aceitava a ideia de que o material deveria passar por uma investigação científica independente antes de ser comercializado. Nem mesmo a NASA foi capaz de arrancar informações dele.
Maurice Ward em entrevista para a rede de televisão NBC (Fonte da imagem: Reprodução/YouTube)
Como funciona o Starlite?
Com a permissão de Ward, Lewis conseguiu realizar mais testes em outro laboratório. Uma das descobertas surpreendentes do químico foi perceber que a estrutura do Starlite se alterava com a presença de calor. Ao observar o material com um microscópio eletrônico, ele constatou que a superfície do material era capaz de criar pequenos buracos de 2 a 5 micrômetros.
Esses minúsculos buracos do Starlite eram como pequenas bolhas de ar em uma espuma, oferecendo isolamento térmico e mantendo-se pequenos o suficiente para não alterar a capacidade de refletir e emitir calor. O que Lewis descobriu é que Ward havia criado um composto “inteligente”, que possuía um sistema de defesa contra o fogo.
Além disso, o Starlite não emitia gases tóxicos ao ser aquecido, o que o tornava ainda melhor para o revestimento interno de cabines de aviões. Essas pesquisas poderiam ajudar Ward a obter respaldo científico para a produção de seu composto em escala industrial. Mas, novamente, a tentativa de negociação acabou sendo barrada pela insegurança do inventor.
Quem também sofreu ao tentar comprar o Starlite foi a gigante da aviação Boeing. De acordo com a matéria da New Scientist, Ward pedia quantias milionárias pelo invento, mas se recursava a mostrar a receita para a produção do material. Os investidores simplesmente não gostariam de investir em algo que poderia ser uma farsa.
Com base nessas tentativas frustradas de comércio, há quem diga que Ward não queria dinheiro, mas sim o mérito de ter criado algo tão revolucionário. Por isso, ele se recusava a passar o Starlite para cientistas que pudessem representá-lo comercialmente.
O segredo continua com a família?
Poucos anos antes de morrer, Ward concedeu uma entrevista a uma estação de rádio e, na ocasião, comentou que, caso algo horrível acontecesse e ele perdesse a vida, a família saberia como proceder com o Starlite. Por enquanto, os parentes do inventor permanecem em silêncio.
Em uma declaração para a revista New Scientist, o engenheiro e cientista de materiais Mark Miodownik diz que seria uma pena esse composto ser perdido ou mantido em segredo, já que até hoje não foi possível descobrir um polímero capaz de aguentar temperaturas tão altas, a ponto de manter cru um ovo sob a chama de um maçarico.
Pelo visto, só nos resta torcer torcer para que o Starlite, um dia, possa ser testado com rigor e, quem sabe, trazer um pouco mais de segurança ao mundo.
Fontes: NewScientist, BBC, Maurice Ward, The Verge
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