Ajudar ao próximo, preservar o planeta, diminuir o consumo, lutar contra a pobreza, a fome e a violência. São tantas as possibilidades de melhorar o mundo que muitos usam esta infinidade de problemas para cruzar os braços e “pensar” por onde começar. O que muita gente não sabe é que pode ajudar deixando de fazer coisas. É isso mesmo, você pode auxiliar a realizar pesquisas que combatem a AIDS, câncer infantil, fome, dengue e muito mais utilizando melhor o tempo ocioso do seu computador.
Parece impossível, mas não é. Estimativas apontam para um número impressionante de 1 bilhão de computadores interligados ao redor do mundo. Você consegue imaginar quanta capacidade de processamento todos eles juntos podem alcançar? Lançado em 2004 a World Community Grid (WCG), criada pela IBM, propõe que todo este mar de processamento seja utilizado para fins humanitários e permita que o tempo gasto em pesquisas complexas caia de centenas ou milhares de anos para meses.
A lógica de funcionamento do grid é muito simples e genial. O Grid Computing, de acordo com a World Community Grid, reúne vários computadores de uso pessoal em um enorme sistema de processamento que pode ultrapassar o processamento de vários “supercomputadores”. Antes de estudos voltados à saúde, o grid já era usado em pesquisas na área de astronomia (através do SETI@home), pois havia a necessidade de acelerar os resultados da constante busca do homem por vida extraterrestre.
Sua participação neste processo consiste em simplesmente fornecer o tempo ocioso do seu computador para que ele ajude a processar dados em pesquisas espalhadas pelo mundo. De uma forma simplificada: ao se voluntariar no programa, sua máquina começa a fazer parte da rede da World Community Grid e você se torna um integrante de um time de voluntários. Assim, todas as vezes que seu computador estiver ligado, mas sem ninguém usando, a capacidade ociosa de processamento será destinada a contribuir com diversas pesquisas mundiais e inclusive no Brasil.
É claro que para ajudar você não precisa ser um pesquisador e muito menos contribuir financeiramente. O tempo ocioso do seu computador é a sua doação, pois esse período somado com várias máquinas ao redor do mundo pode ajudar a reduzir, por exemplo, o tempo de processamento de uma sequência gigante de DNA que levaria centenas ou milhares de anos para ser concluído.
Quer saber mais? Confira o vídeo a seguir com Ruth Harada, diretora de cidadania corporativa da IBM.
De acordo com dados da WCG, a América Latina tem pouco mais de onze mil voluntários, enquanto a Europa participa com mais de cem mil computadores. Contudo, de acordo com Fábio Bustamante, no início do projeto era possível se cadastrar sem definir um país de origem (o que não acontece hoje), sendo assim, há mais de 250 mil membros sem nacionalidade o que poderia fazer o número de brasileiros saltar para 17 mil. Mesmo sendo uma iniciativa global, o grid já colaborou muito para a ciência brasileira. Exemplo disso é o Projeto de Comparação de Genomas da Fundação Fiocruz, o primeiro trabalho brasileiro aprovado para participar do WCG.
De acordo com Fernanda Marques, integrante da equipe de assessoria de imprensa da Fiocruz, tal análise levaria 3.748 anos para ser realizada se no processo apenas um computador realizasse as comparações, contudo foi concluída em apenas 12 meses com a ajuda do processamento ocioso de milhares de voluntários.
Além da Fiocruz, vários brasileiros abraçaram a causa e promovem a divulgação do grid no Brasil, como é o caso do fotógrafo Fábio Bustamante. Criador do site e blog “Eu Grido”, Bustamante se tornou um dos principais responsáveis em propagar a iniciativa no Brasil. Em seu site é possível conhecer todo o projeto, empresas que aderiram e os passos para se tornar um voluntário.
Em entrevista exclusiva ao Baixaki, Fábio Bustamante explica o que o motiva a participar do que pode ser considerada a “Filantropia do século XXI”.
Baixaki - O que despertou o seu interesse em criar uma página e um blog sobre o GRID? Há alguma ligação entre você e a área de pesquisas?
Bustamante - Há tempos eu tenho vontade de ser voluntário em alguma campanha. Queria fazer algo que tivesse um impacto maior, que atingisse muitas pessoas, mas não sabia como. Eu já conhecia o Grid há alguns anos, mas nunca olhei para ele com esses olhos. Até que um dia veio o estalo - era a oportunidade perfeita de fazer um voluntariado diferente, interessante e com impacto global. Mas não, não tenho ligação nenhuma com a área de pesquisa científica, é apenas um interesse pessoal pelo assunto.
Baixaki -A IBM recebe algum benefício por promover o GRID?
Bustamante -Não que eu saiba - pelo menos nada além da imagem positiva que isso traz pra eles. Na verdade o que eu sei é que eles arcam com os custos da infra-estrutura toda da WCG, o que inclui servidores e pessoal dedicado em tempo integral.
Baixaki - Alguns dos textos do seu blog abordam a visão essencialmente capitalista da indústria farmacêutica. De alguma maneira direta, esta indústria é beneficiada pela benevolência dos voluntários?
Bustamante -De certa forma sim, pois os resultados das pesquisas são de domínio público. Mas isso já quer dizer que nenhum laboratório vai ter exclusividade sobre os resultados, ou seja, se alguma nova droga nascer do Grid, ela será produzida dentro de uma concorrência livre entre os laboratórios. Outro detalhe importante é que no Grid os focos das pesquisas são norteados por interesses não capitalistas, ou seja, desvinculados do mercado. Por exemplo, se no mercado um bom lucro está nos analgésicos, complementos vitamínicos ou esteróides, então é aí que as pesquisas vão se concentrar. Já o Grid tem liberdade para pesquisar a distrofia muscular ou a dengue mesmo que seja um "mico" da medicina, sem se preocupar com relatórios de lucros anuais, acionistas, etc.
Baixaki - Você acredita que iniciativas simples como esta sejam uma porta de entrada dos jovens em campanhas com a intenção de resolver problemas tidos como globais? E que a partir deste primeiro contato, eles queiram contribuir com campanhas humanitárias com outros focos?
Bustamante -Sim, acredito. O computador está totalmente integrado ao cotidiano dos jovens hoje e, sem dúvida, é uma porta para a entrada de conceitos como voluntariado e humanitarismo. E daí partirem para outras ações voluntárias? É possível, sim.
Baixaki - Em sua opinião, não há nem um risco para o computador? Nem de haver desgaste maior de seus componentes, justamente por ele processar dados ao longo de todo o período que está ligado?
Bustamante -Com relação à segurança do software, nem penso mais no assunto - já vi o quão séria é a IBM e o BOINC nesse sentido (BOINC é o nome do programa que serve de plataforma para o Grid - Berkeley Open Infrastructure for Network Computing). Quanto ao desgaste maior dos componentes, eu o considero praticamente irrisório - o único componente significativamente afetado pelo Grid é o processador, que de fato vai trabalhar mais do que trabalharia se não tivesse rodando o Grid. Mas o BOINC tem a preocupação de usar somente 60% de sua capacidade, de forma a não aquecê-lo. Na prática o impacto na vida do processador pode ser desconsiderado.
Baixaki -E mesmo que haja um desgaste maior, quais são as maiores barreiras para a participação de mais pessoas no GRID?
Bustamante -Acho que nem tantas pessoas se preocupam com o desgaste. Se eu fosse mencionar os maiores inimigos do Grid, citaria o desinteresse, a desconfiança com relação ao software e a dificuldade de se cadastrar, baixar e instalar o BOINC por parte das pessoas que não se sentem muito à vontade com computadores ou que não falam inglês.
Baixaki -Você acredita que esta forma de colaboração possa ser considerada filantropia do século XXI?
Bustamante -Certamente que sim. Interessante pensar em como a evolução tecnológica criou a possibilidade de um voluntariado completamente novo. Algo inconcebível há 30 anos, incompreensível 60 anos atrás. E ao mesmo tempo uma coisa tão simples de fazer, tão fácil de participar. Incrível como existam pessoas que não sentem um desejo de participar mesmo depois de compreender o conceito.
No site da WCG é possível acompanhar diversas estatísticas interessantes sobre o andamento do projeto. Alguns dados disponíveis para o público são: número de membros, de computadores interligados e o tempo economizado em pesquisas. Só para exemplificar, você consegue imaginar quantas horas de processamento foram economizadas desde 2004? 277.431 mil anos! É importante frisar que todos os resultados adquiridos com o processamento compartilhado são considerados um bem público, desta forma qualquer pessoa pode ter acesso a eles.
Se você gostou da ideia e quer participar, o primeiro passo a ser dado é acessar o site da WCG ou o “Eu Grido!” e preencher o formulário de registro (clique na imagem ao lado para acessar a página). Em seguida, preencha um formulário com seus dados e, automaticamente, você será incluído no time “Eu Grido-Brasil”.
Logo após, escolha os projetos que você tem preferência em ajudar (clique em todos). Agora, é necessário fazer o download do programa BOINC. Download concluído, instale o aplicativo normalmente, preencher seus dados de usuário e comece a participar. Vale lembrar que é preciso estar conectado à Internet para que a participação seja possível.
Eu “grido”, tu “grides”, ele “gride”, nós podemos ajudar. Com um simples cadastro você pode colaborar para a ciência dar um salto gigantesco em direção à cura de doenças ou resolver os maiores problemas do nosso planeta. Contudo, ainda há muito a fazer pelo Brasil e pelo mundo, sendo assim, está na hora de começar a ver além da tela do seu computador.
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