Nesta quinta-feira (21), o cidadão continuou no centro do debate sobre a construção de cidades inteligentes. O segundo dia do Smart City Expo Curitiba 2024 ressaltou a necessidade de levar a tecnologia para todas as áreas da administração pública a fim de fomentar cidades mais igualitárias, inteligentes e interconectadas. Confira 6 estratégias discutidas nos painéis.
1. Foco na usabilidade
Suportes tecnológicos que já são viáveis podem ser reimplementados para resolver novos desafios. (Foto: Lívia Inácio/reprodução)
Tecnologias disruptivas são bem-vindas, mas só serão efetivas se dialogarem com as dores de quem vive nas cidades. O potencial delas, portanto, está mais relacionado à capacidade de resolução de dilemas urbanos do que ao grau de sofisticação. Elementos já presentes no cotidiano podem ter impacto efetivo.
Se a maioria das pessoas tem um smartphone com Bluetooth, por que não usar a rede para mapear veículos roubados? Essa questão, apresentada por John Rhodel Bartolome, da Polkadot, foi o ponto de partida para um case de sucesso na Europa.
Por meio desse mecanismo, a polícia francesa hoje acompanha o deslocamento de um veículo furtado, prevê a rota provável e o recupera rapidamente, conseguindo escolher o local mais seguro e eficaz para a abordagem.
O Brasil possui outra inter implementação interessante a esse respeito a partir de dispositivos já usados. Em São José dos Campos, primeira cidade do país a ser certificada como inteligente pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, a integração de câmeras de segurança com sistemas de inteligência garantiu a redução de 48% no número de automóveis roubados.
2. Capacitação de gestores públicos
Olhar para os problemas de modo inteligente é fundamental. Por isso, uma estratégia inteligente de aprimorar a cultura da inovação no setor público é priorizar a capacitação dos gestores. Sensibilizar quem toma decisão na esfera pública é fundamental para que cenários alternativos sejam pensados, seja para novos problemas, seja para os velhos.
"A gente derruba as paredes, coloca post-it nas que sobram e distribui pufes laranja pela sala. Mas as práticas frequentemente são as mesmas", diz André Tortato Rauen, do Instituto Serzedelo Correa, ligado ao Tribunal de Contas da União. Assim, mesmo quando há orçamento, estrutura e marcos regulatórios adequados, a cultura da governança pública nem sempre é aberta a construir práticas dinâmicas.
3. Integração com a natureza
Transformar a vida de quem vive nas cidades não é apenas desejável. Algumas das necessidades são urgentes e devem hierarquizar a ação, a exemplo da dimensão climática. A sobrevivência da humanidade depende de mudar a rota do desenvolvimento atual e, por isso, exige outros modos de se relacionar com o meio ambiente.
Continuar a construir prédios em concreto cercados de asfalto é um dos modos mais frequentes da falta de visão inovadora. Cidades inteligentes precisam diversificar os modos de edificação, incluindo as construções do modo mais orgânico possível à dinâmica geoclimática do local. A argentina Marcela Mondino, diretora programática da Fundación Avina, de Córdoba, acredita que a melhor saída seja emular o metabolismo da natureza e se integrar a ele.
No mesmo sentido, o painelista Ciro Pirondi, da Associação Escola da Cidade, Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, defende uma revisão dos rumos do desenvolvimento atual. "Nós erramos ao canalizar o rio Tietê, reduzindo seu curso a uma linha reta e concretando suas margens. As enchentes atestam isso. Esse é um erro reversível, mas precisamos de coragem para corrigi-lo", diz.
4. Pensamento de longo prazo
O poder estatal continua importante para dar suporte à dimensão estrutural das políticas públicas. (Fonte: Lívia Inácio/Reprodução)
Quando se fala em redesenhar as cidades, já existem tecnologias acessíveis para soluções mais inovadoras, sustentáveis e resilientes. O problema é que elas cobram um preço caro e exigem um cálculo de longo prazo, que nem sempre dialogam com o apetite do setor privado.
Assim como o usuário comum ainda pensa duas vezes em comprar veículos elétricos - o custo mais caro tende a se pagar pela redução no custo da rodagem, mas leva bons anos até isso ocorrer -, o mesmo ocorre com os modais coletivos. Daí a importância de o Estado assumir para si o protagonismo em questões estruturais.
"Ônibus eletrificados já são usados em diversos locais do mundo e valem a pena, mas o custo de implementação ainda traz resistência. No Brasil, o novo modal custa cerca de três vezes o valor de um veículo com queima de combustível", diz Mariana Batista, gerente da C40 Cities na América Latina.
Por isso, é importante haver uma solução conjugada entre os setores público e privado para "pagar a conta". Um exemplo vem de Santiago, no Chile, onde o poder público compra os veículos elétricos e entrega à iniciativa privada apenas a administração cotidiana da frota pública. Essa solução garante o uso de energia limpa e torna o serviço barato para o usuário final.
5. Modelos plurais de governança
Mas se engana quem acha que a capital chilena encontrou facilmente a saída para eletrificar sua frota. Com oito milhões de habitantes, a Grande Santiago é formada por nada menos que 37 comunas, cada uma com uma gestão autônoma e democraticamente eleita. Portanto, é necessário um esforço extra de coordenação para somar esforços e planejar o espaço urbano de modo integrado.
Outro case objetivo vem do sertão brasileiro. André Agra, coordenador do Espaço Cidadania Digital do Tribunal de Contas da Paraíba, conta que o estado tem tido sucesso em transformar um problema em solução. O sol tem sido cada vez mais usado como fonte de energia limpa, mas isso só foi possível porque se escutou a realidade local.
As cidades inteligentes precisarão encontrar, uma a uma, o arranjo de governança ideal para si, a partir da interação entre os diferentes atores do local: poder público, empresas, academia e sociedade civil. "Não é possível pensar na Faria Lima uma solução para os problemas do agreste paraibano", provoca Agra.
6. Contar com o poder da arte no design das cidades
Além de tecnologia de dados, arte e integração com a natureza podem ser ingredientes para uma cidade mais inteligente. (Lívia Inácio/Reprodução)
Nada de sensores, chips, veículos ou outro artefato de tecnologia de ponta. O grande destaque do segundo dia da Smart City Expo Curitiba ficou por conta da arte. O muralista Eduardo Kobra esteve no evento e contou como usou cores e imagens para imprimir nas ruas da cidade a sua mensagem.
O artista brasileiro, que assina dezenas de murais em países como Estados Unidos, Rússia, Japão, França, Itália e Colômbia, conta que começou sua carreira pintando brinquedos de parque de diversão. Aos poucos, encontrou sua própria linguagem e transportou às paredes das cidades seu olhar questionador.
"Eu só entrei em um museu próximo aos 30 anos de idade e meu pai só entrou em um, porque minha arte foi exposta lá", conta Kobra. Democratizar o acesso à arte e transformar as ruas pensando em todos os cidadãos é um recado que pode orientar a construção de cidades inteligentes em diversos aspectos.