A primeira das várias ondas de empolgação e desenvolvimento de carros elétricos é mais antiga do que se imagina. Ela começou mais ou menos no mesmo período dos carros tradicionais, sendo que o título de "primeiro carro elétrico" é bastante disputado entre vários concorrentes que apresentaram experimentos parecidos em países diferentes.
Um dos primeiros registros veio da Hungria em 1828, quando Ányos Jedlik criou um motor elétrico e, para testá-lo, acoplou-o em uma miniatura de carro. Em 1835, houve mais dois registros: o professor holandês Sibrandus Stratingh usou os princípios do eletromagnetismo e dos eletroímãs de Michael Faraday para fazer outro pequeno modelo; já o norte-americano Thomas Davenport, que também fez o primeiro motor elétrico de corrente direta, usou trilhos para carregar um veículo.
No fim da década, o escocês Robert Anderson criou uma locomotiva e depois um veículo de quatro rodas. Só que todos esses modelos eram totalmente experimentais, pois faltava estrutura das cidades, apoio aos cientistas e até a existência de certas tecnologias.
As patentes de trilhos eletrificados para carros de rua só vieram algumas décadas depois, e a primeira bateria recarregável do mundo, que era de chumbo-ácido, só foi inventada em 1859 pelo francês Gaston Planté.
Já o primeiro veículo movido a eletricidade, que contava com um motorista e saiu nas ruas de fato, foi um triciclo criado pelo francês Gustave Trouvé, em 1881, exibido em uma feira da época. O inglês Thomas Parker também é creditado como inventor de um carro elétrico em 1884, que ele usava para ir ao trabalho todos os dias. Outro concorrente forte é o Flocken Elektrowagen, de 1988, feito na Alemanha e com um aspecto de carruagem.
A criação do Porsche
Um avanço considerável mesmo veio dos Estados Unidos graças ao químico William Morrison, que, em 1890, começou a levar um carro elétrico fácil de usar para corridas e desfiles em Des Moines, no estado do Iowa. Em 1898, tivemos até a criação do Porsche P1, o primeiro carro da montadora, na época feito do zero pelo fundador Ferdinand Porsche.
Esse modelo era dado como perdido até 2014, quando foi redescoberto em um armazém na Áustria. Aliás, 2 anos depois, a Porsche criou o Semper Vivus, considerado o primeiro carro híbrido do mundo. Ele já tinha um esquema de energia bem-moderno: motores de combustão interna para autonomia, alimentando motores elétricos que ficavam na região das rodas.
Até os primeiros recordes de velocidade foram com os elétricos. Em 1898, o veículo francês Jeantaud Duc atingiu a então inédita marca de 63,15 quilômetros por hora. O La Jamais Contente foi o primeiro a superar 100 quilômetros por hora em 1899, com o belga Camille Jenatzy.
Até Thomas Edison, um dos industriais e inventores mais poderosos da época, tentou embarcar no mercado com pesquisas e patentes, mas não avançou. No começo de 1900, quase 30% dos carros nos Estados Unidos eram elétricos, vários deles táxis — o que não era muito, porque nem tinha tanto carro assim no país.
Dessa forma, isso mostrou como esse mercado tinha espaço para crescer, sendo sim uma alternativa viável desde o começo, principalmente em pequenas distâncias e dentro dos limites da cidade. O marketing na época era direcionado especialmente para as mulheres.
Todos esses pioneiros vieram muito antes do Ford Model T surgir e iniciar a indústria de produção em massa de carros a combustível. Quando principalmente a Ford iniciou essa revolução e ganhou a indústria pela praticidade dos seus carros, os modelos elétricos foram perdendo o mercado.
Eles viraram modelos de uso específico, tipo em ambulâncias, carros de entrega de leite ou bondes em trilhos, mas não para o uso individual e cotidiano. As baterias perderam espaço para a indústria do petróleo, que estava decolando com um lobby forte de companhias cada vez maiores e não daria espaço para concorrentes. Já carros a vapor, pouco práticos e que demoravam para "pegar no tranco", ficaram ainda mais para trás.
Em 1912, Charles Kettering inventou o motor de arranque, o sistema de ignição elétrica que permitiu dar a partida nos motores a combustão de um jeito bem mais simples do que girar uma manivela. A tecnologia foi usada primeiro pela Cadillac e facilitou muito o uso dos carros a gasolina. Empresas como a Detroit Electric até fizeram nome e sobreviveram por algum tempo, mas o início da década de 1930 marca o fim dessa primeira era dos carros elétricos.
A retomada ainda devagar começou 20 anos depois, passando pelas guerras mundiais. Claro que esse período não foi de escuro absoluto, a gente teve projetos como o Tama, modelo japonês de 1947 da Tokyo Electro Automobile, que depois de fusões e mudanças de nome virou a Nissan; ou o simpático conceito Charles Townabout, de 1959. Porém, nada concreto.
Tama E4S-47, o primeiro carro elétrico japonês.
As primeiras medidas foram políticas: Londres e Nova York criaram, em 1956 e 66, leis para reduzir a poluição no perímetro urbano, principalmente depois que grandes concentrações de fumaça assustaram a população e, especialmente no caso dos Estados Unidos, isso envolveu popularizar carros elétricos.
Uma nova leva de projetos ou protótipos começou a pipocar, como o General Motors Electrovair de 1964, o experimento Ford Comuta de 67 e o BMW 1602 E. A maioria nunca foi produzida em massa, só mostrando que as gigantes estavam de olho nessa possibilidade. Outro fato marcante veio em 1971, quando o veículo de exploração lunar da missão Apollo 15 passeou pelo nosso satélite natural e rodou a partir de baterias, em mais uma exibição de como esse tipo de mobilidade era sim possível até em condições bem diferentes.
Mas se a campanha ecológica não deu tanto resultado, houve um problema que afetou o bolso e gerou visibilidade: em 1973, ocorreu uma grande crise do petróleo, quando um embargo das nações árabes exportadoras afetou toda a indústria, aumentou os preços do barril, gerou pânico no setor e fez muita gente notar o quanto a sociedade mundial estava dependente dessa única forma de energia. Então, novos modelos começam a surgir baseados na ideia de alternativa e sustentabilidade.
Alguns dos destaques incluem o Chevrolet Electrovette e o Sears XDH-1, de 1977, além de um exemplo brasileiro, o Itaipu, da Gurgel. Outro carro bem curioso que apareceu naquela época foi o CitiCar, com um visual bem peculiar e fabricação da Sebring-Vanguard. Menos de 5 mil CitiCars foram vendidos, mas eles mostraram que pequenas montadoras podem ser parte da solução para popularizar carros elétricos, não só as gigantes.
Porém, o interesse caiu de novo naquele momento, porque o preço e o desempenho nem se comparavam com os dos modelos a gasolina. Até por isso, nos anos 1980, os principais avanços são na área de tecnologia de bateria, e o grande nome dessa época é John Goodenough, da Universidade de Oxford, que foi o líder da equipe responsável pelo cátodo feito a partir de óxido de lítio-cobalto, que é nada menos do que um dos princípios da bateria de íons de lítio. Esse nome é conhecido, porque faz parte da composição de baterias de eletrônicos em geral, desde celulares até automóveis. A Sony foi a empresa que iniciou a comercialização dessas baterias e a produção em massa no começo dos anos 1990.
O trabalho com as baterias de íon-lítio rendeu, em 2019, o Nobel de Química para o Goodenough junto a outros pesquisadores que aprimoraram a tecnologia. Assim, teve mais protótipo saindo, como o HTV-1, que era um híbrido plug-in da General Electric e da Volkswagen apresentado em 1982, e o Audi Duo, de 1989, que era da mesma categoria, mas nunca foi além de um conceito.
A década de 1990 é marcada por mais um empurrãozinho da lei, desta vez com o Zero Emission Vehicle Program na Califórnia. Como resultado dessa política de sustentabilidade em veículos, a lei ajudou as montadoras a tentar de novo fabricar uma nova leva de elétricos. Vieram modelos bem variados, como o Toyota Rav4, o Honda EV Plus, o Chevrolet S-10 e a Ford Ranger que chamou bastante atenção pelo desempenho.
Só que não tem jeito: o destaque desse período foi mesmo o EV1, da General Motors. Ele foi lançado em 1996 e tinha tudo para ser o líder dessa nova fase, considerado o primeiro elétrico contemporâneo produzido em massa e voltado ao público até ser descontinuado quase que misteriosamente em 1999, com os modelos em circulação recolhidos para serem destruídos ou doados a museus e universidades.
EV1 da General Motors.
O documentário Quem Matou o Carro Elétrico? conta bem essa história e especula o que aconteceu. A falta de apoio do governo, a pressão de montadoras e da indústria do petróleo e o baixo interesse do consumidor são alguns dos problemas apontados, alguns com mais parcela de culpa do que outros.
Pelo menos o EV1 foi um marco para que outros modelos surgissem. O Toyota Prius, do fim de 1997, inaugurou uma linha de sucesso e só confirmou a força das montadoras japonesas nesse mercado. Prius foi por muitos anos sinônimo de carro elétrico popular em várias partes do mundo.
A Ford continuou as pesquisas lançando até uma variação de um modelo popular, o e-Ka, em 2001. Porém, no começo dos anos 2000, quem fazia mais barulho mesmo era as marcas pequenas. A Think Global, sediada na Noruega e por um tempo subsidiária da Ford, lançou um modelo simpático chamado TH!NK City em 2008, depois de fazer testes por anos. Era um bom modelo, mas caro, e acabou caindo no esquecimento.
O nascimento da Tesla Motors
Já em 2004 foi fundada a Tesla Motors, que gerou um clima de startup e investimentos de risco no estilo Vale do Silício para o mercado de carros elétricos. O primeiro modelo anunciado foi o Roadster, que iniciou a produção só em 2008, quando Elon Musk assumiu o cargo de CEOA da Tesla, envolvendo produções em baixa escala no início, a construção das estações de recarga espalhadas pelos Estados Unidos e o sonho do piloto automático. Hoje, ela tem tudo isso e mais um pouco, com vários modelos já lançados.
O ano de 2008 ainda marcou a chegada da China ao setor, com destaque para empresas como a JAC, que inclusive veio para o Brasil, e a BYD, que lançou o F3DM, primeiro híbrido plug-in de formato sedan e produção comercial. Esse é o tipo de carro que tem um motor elétrico e um de combustão, podendo ser conectado a uma fonte externa de energia para economizar na recarga.
O novo gás na indústria se mostrou definitivo: as montadoras abraçam de vez os modelos híbridos ou totalmente elétricos, agora não mais como só um conceito ou protótipo para feiras de automóveis, mas sim comercializado e com um estoque bem generoso. Alguns destaques incluem o Mitsubishi i-MiEV, de 2009, que só teve a produção encerrada agora em 2020; o Nissan Leaf e o Chevrolet Volt de 2010; o Renault Zoe de 2012; e o Volvo Polestar 1 de 2015.
Até a Porsche viu a importância de estar nesse mercado e apresentou o modelo de luxo Porsche Taycan. Como praticamente toda montadora resolveu no mínimo fazer um modelo elétrico, é claro que não dá para citar todos aqui, mas é possível falar que o Brasil até se arrisca, mesmo que timidamente, em projetos próprios: o Pompéo teve o primeiro conceito revelado ainda em 2009, enquanto o e.coTech 4 Autônomo, da Hitech Electric, foi revelado em 2020.
E claro que também tivemos alguns fiascos, que tentaram ser a "nova Tesla" e não entregaram resultados, como LeEco, Faraday Future e tantos outros. Até uma modalidade de automobilismo para elétricos foi criada, a Formula E, disputada pela primeira vez em 2014. Aliás, Lucas di Grassi e Nelsinho Piquet já foram campeões.
A nova onda dos elétricos
Em 2017, a venda anual de carros elétricos superou a barreira de 1 milhão de unidades pela primeira vez, ou seja, não tem mais volta: depois de tantas ondas passageiras, eles chegaram para ficar. Países, principalmente os da Europa, estão cada vez mais impondo restrições para circulação e venda de modelos a combustível, com Noruega e Reino Unido tendo os prazos mais ousados. A Alemanha aumentou os subsídios e o fim de taxas para quem comprar um modelo elétrico.
Só que não dá para pensar que é fácil mudar uma indústria inteira assim de uma hora pra outra, porque os desafios ainda são muitos. É preciso baratear mais o carro, a bateria e a eletricidade. As tecnologias de autonomia também têm espaço para melhorar. Além disso, o estado precisa ajudar nas negociações para inauguração de estações de recarga ou isenção fiscal. É um caminho longo e cheio de obstáculos, mas os carros elétricos já estão nessa estrada faz bastante tempo.
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