Os patinetes deram certo ou vão sumir de circulação no Brasil?

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Ao buscar análises e lançamentos sobre o cenário da micromobilidade, especificamente sobre os cases dos patinetes em grandes cidades pelo mundo, me deparo com notícias aparentemente contraditórias. No Brasil, a Uber anunciou em março o início das operações de aluguel de patinetes em São Paulo capital – após um período de teste em Santos, no litoral paulista, no final de 2019. Pouco depois, em julho, a Grow (criada a partir da fusão da Grin com a Yellow) pediu recuperação judicial, após meses de crise e recolhimento de unidades.

Afinal, os patinetes deram certo ou vão sumir de circulação? Essa dúvida “atormenta” profissionais e entusiastas da mobilidade, e não parece ter uma resposta simples. É preciso analisar caso a caso. Começando pela Europa, onde costumam surgir os cases habituais quando o assunto envolve mobilidade – vide as bicicletas compartilhadas, sempre associadas a cidades como Amsterdã, na Holanda.

Breve panorama

Em 2018, quando o Smart Mobility Congress ainda fazia parte do Smart City Expo World Congress, em Barcelona, a Seat (empresa do grupo VW/AUDI) apresentou um modelo (sedan elétrico, quatro portas) que vinha com um patinete no porta malas, como estímulo para que o carro ficasse estacionado fora da região central, reduzindo o trânsito de veículos em uma área naturalmente caótica. Outra vantagem seriam as vagas sem custo ou estacionamentos mais baratos, que são comuns fora da zona central.

Além disso, o patinete pode ser recarregado com uma tomada dentro do porta malas do carro elétrico. A ideia parece que pegou, pois agora a empresa planeja lançar seus próprios patinetes e scooters. Já em 2019, o Smart Mobility Congress cresceu tanto que passou a ocupar pavilhão exclusivo: o mundo da eletromobilidade se reúne lá, inclusive com aulas práticas para aprender andar de patinete de forma mais segura.

Case de Lisboa

Em visita a Lisboa, em 2019, nossa equipe do iCities percebeu não só a “invasão” dos patinetes elétricos, como a consolidação do modal na capital portuguesa. Tanto que, em maio daquele ano, as autoridades locais tomaram a decisão de transformar 1,6 mil vagas de carros em vagas para patinetes e bicicletas, após proibirem sua circulação pelas calçadas. “Em menos de um ano, ficou claro que prefeituras não fizeram espaços suficientes para bicicletas e, agora, para patinetes”, afirmou Pedro Homem de Gouveia, coordenador de acessibilidade da Prefeitura de Lisboa, em visita a São Paulo por ocasião do 1º Summit de Segurança e Convivência na Micromobilidade.

Patinetes em LisboaRegistros de patinetes em Lisboa, na região de Belém. Fotos: iCities

Com as mudanças nos modais de circulação de pessoas devido à pandemia, a VOI, startup europeia de patinetes elétricos compartilhados, está demonstrando que, apesar da crise, é possível pensarmos em um modelo de negócio rentável. Tanto que fechou seu primeiro mês de lucro em julho, na contramão da maioria das empresas do setor.

Disposição governamental

Com sede em Estocolmo, na Suécia, a VOI acelerou a regulamentação e infraestrutura em diversas cidades europeias, com governantes que se mostraram dispostos a incentivar o novo modelo de transporte individual.

Quando não ajuda, porém, a regulamentação pode emperrar bastante o avanço da micromobilidade urbana. É o caso da famosa burocracia, que frustra até mesmo a demanda elevada e os benefícios para a locomoção, reconhecidos por especialistas. “Existe imaturidade das autoridades públicas e do nosso Legislativo em relação a novidades. É preciso mais humildade para receber o novo, porque se trata de um novo modo que não polui, que é bom para o ar e para reduzir a poluição sonora, porque é elétrico”, analisou Flamínio Fichman, consultor de mobilidade urbana, em entrevista à Jovem Pan.

Burocracia e entraves

Cidades como São Paulo, que regulamentaram o uso dos patinetes elétricos com tráfego restrito às ciclovias, velocidade limitada a 40 quilômetros por hora e uso obrigatório de capacete, também acabaram impondo entraves à adesão dos usuários, já que são inúmeras as limitações na malha cicloviária da maior cidade do país.

No caso da Uber, a empresa fez parceria com outras empresas para que o usuário frequente dos patinetes possa comprar seu capacete com até 40% de desconto, já que a compra é de responsabilidade de cada um, não sendo oferecido pela empresa.

Mudança de comportamento

Por fim, é preciso aprender com os exemplos que colapsaram. No caso da Grow, segundo a própria empresa, as dívidas chegaram a R$ 38 milhões, em razão do aumento da concorrência, diminuição das margens de lucro, necessidade constante de atualização e problemas com a regulação. Isso sem falar do compartilhamento de patinetes, em si, que precisam ser higienizados após o uso.

O avanço desse modal passa também pela validação da própria indústria automobilística. Um bom exemplo é o case da Seat, que está se reinventando e produzindo seus próprios patinetes e fomentando cursos de instrução para usuários sobre como circular com segurança pelas cidades, dentro das leis de trânsito.

O uso com segurança pode ser um grande aliado no transporte individual sustentável nos grandes centros urbanos. Em Curitiba, mesmo depois do fim das empresas de sharing, ainda vemos muitos patinetes particulares rodando, o que prova que o modal “pegou” para uma parcela que vê nele algo novo e viável.

O panorama parece igualmente promissor e desafiador para as empresas que se lançarem no mercado da micromobilidade, no cenário pós 2020.

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Beto Marcelino, colunista quinzenal do TecMundo, é engenheiro agrônomo, sócio-diretor e diretor de relações governamentais do iCities, empresa que organiza o Smart City Expo Curitiba, maior evento do Brasil sobre cidades inteligentes com a chancela da FIRA Barcelona.

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