As cidades brasileiras e seus gestores estão sob imensa pressão para garantir que o desenvolvimento urbano atenda aos direitos de todos, o que inclui pessoas com deficiência e idosos. Planejamento urbano, aprimoramento da infraestrutura e tecnologias assistivas são ferramentas que podem transformar a vida das pessoas nas cidades, especialmente as que têm necessidades especiais, gerando maior interação entre cidadãos, criando cidades mais humanas e produtivas.
O Brasil tinha 45,6 milhões de pessoas com deficiência, segundo dados do Censo 2010 apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, praticamente um em cada quatro brasileiros declarou ter algum grau de dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus, ou então apresentar deficiência mental/intelectual. Mesmo com esse contingente gigantesco, estamos longe de atingir um patamar digno de acessibilidade nas cidades brasileiras.
Recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, provendo inclusão e independência desses cidadãos
Mas o que são essas “tecnologias assistivas” que podem resolver essa questão da acessibilidade? A expressão é relativamente nova, usada para identificar todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, provendo a inclusão e a independência desses cidadãos.
Elas englobam tanto os recursos de acessibilidade aos computadores e smartphones – softwares de reconhecimento de voz, Braille, auxílios alternativos de acesso, teclados modificados ou alternativos – quanto projetos arquitetônicos para acessibilidade: as adaptações estruturais e reformas nos ambientes públicos e de trabalho, através de rampas, elevadores, banheiros entre outras, que retiram barreiras físicas e facilitam a locomoção da pessoa com deficiência.
É lei desde 2004
O IBGE também pesquisa periodicamente os serviços municipais adaptados às pessoas com dificuldades de mobilidade, pela chamada Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic). Em 2017, a Munic mostrou que, entre os 1.679 municípios que ofereciam serviço de transporte coletivo por ônibus intramunicipal, apenas 11,7% estavam com a frota totalmente adaptada para a acessibilidade, enquanto 48,8% possuíam frota parcialmente adaptada.
Longe de ser um “ato de boa vontade” das empresas de transporte coletivo, a adaptação faz parte da Lei da Acessibilidade, criada a partir do Decreto nº 5.296, de dezembro de 2004. A legislação, ampla e abrangente, infelizmente não resolve problemas como a demora na renovação de frota de ônibus sem acessibilidade. E pior: não impede que usuários do transporte público se sentem nos bancos reservados para deficientes físicos. Esses são alguns fatos que impedem as pessoas com deficiência de usufruir de um dos direitos mais básicos do ser humano, que é o de ir e vir.
Semáforo com aviso sonoro em CuritibaFonte: Divulgação Prefeitura de Curitiba - Levy Ferreira/SMCS
Aos deficientes visuais, a legislação brasileira prega a implantação de dispositivos sonoros nos semáforos para orientação na travessia de ruas e avenidas com trânsito intenso. A lei também especifica que os projetos e traçados das calçadas e das faixas de pedestres sigam os parâmetros estabelecidos pelas normas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Os pisos táteis são faixas em alto relevo fixadas ao chão para ajudar na locomoção das pessoas com deficiência visual em espaços públicos, tanto internos quanto externos. Os cegos também têm o direito de entrar e ficar em locais públicos acompanhados de cão-guia.
Vale lembrar que a acessibilidade vai muito além da mobilidade. Os cadeirantes costumam ser o público mais lembrado pela população em geral quando o tema é acessibilidade. Ainda de acordo com o Censo 2010, apenas 4,7% das vias urbanas contavam com rampas para cadeirantes. Mas temos alguns bons exemplos nacionais nessa esfera.
Transporte público de Uberlândia (MG) é 100% acessívelFonte: Prefeitura de Uberlândia - CECOM - Via PT
Um deles é Uberlândia (MG), cidade do Triângulo Mineiro com 600 mil habitantes. Lá existem rampas de acesso em todas as esquinas, toda a frota de ônibus (100% mesmo!) oferece elevadores para quem tem dificuldade de locomoção, e cada projeto novo de rua, prédio ou loteamento só é aprovado se tiver plano para facilitar a mobilidade.
Tudo isso faz parte de um programa de acessibilidade criado na cidade há 20 anos, uma ação que começa nas escolas municipais, com um currículo que ensina alunos e professores a conviverem com as diferenças.
Cases mundiais
Em Barcelona, o alargamento de calçadas e a criação de ciclorrotas, com redução de velocidade em vias movimentadas, acabam ampliando o antigo e famoso projeto catalão de calçadas compartilhadas, que se inicia no Passeo de Gracia e vai até as Ramblas. Já o governo da Nova Zelândia lançou o programa Innovating Streets for People, que financia projetos de urbanismo tático que favoreçam vizinhanças mais movimentadas, caminháveis e acessíveis.
Pelo mundo, as ações que ajudam a mobilidade de cadeirantes se espalham. Do mirante da Ilha Philip, passando pelo aeroporto e pelo sistema de metrô de Dubai, chegando ao sistema de transporte no Castelo Lubliana, os exemplos de smart cities crescem em quantidade e qualidade. Também não podemos deixar de mencionar a organização sem fins lucrativos canadense 8 80 Cities, fundada e presidida por um dos urbanistas mais importantes do mundo, Gil Peñalosa, que já acompanhou mais de 350 gestores de cidades para transformar comunidades e tornar espaços mais acessíveis.
Esses cases mundiais devem ser “copiados” sempre que possível pelos gestores públicos brasileiros, de acordo com suas realidades municipais.
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Beto Marcelino, autor desta coluna quinzenal de Mobilidade no TecMundo, é engenheiro agrônomo, sócio-diretor e diretor de relações governamentais do iCities, empresa que organiza o Smart City Expo Curitiba, maior evento do Brasil sobre cidades inteligentes com a chancela da FIRA Barcelona.