*Este texto foi escrito por um colunista do site TecMundo. Assim, o conteúdo é estritamente opinativo por parte do autor.
Nos últimos anos, a conversa sobre uma possível doutrinação ideológica que estaria ocorrendo nas escolas e universidades ganhou bastante espaço no debate público.
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Desde conversas de bar, entre amigos, em grupos de familiares, redes sociais e até em meios acadêmicos. Porém essa conversa tem alguma fundamentação na realidade das escolas brasileiras? E ainda, será possível responder essa pergunta de modo científico e sem enviesar nossa discussão e acabarmos falando apenas para um determinado grupo?
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A resposta da segunda pergunta é, muito provavelmente, negativa. Mesmo que fizermos um esforço para discutir o assunto de um ponto vista científico que, pelo menos em sua idealização, deve ser completamente imparcial.
Para entender essa negativa, é preciso primeiro entender e pensarmos se o conceito de imparcialidade sequer existe.
Um argumento muito comum diz que a educação deve ser completamente livre de qualquer viés ideológico e que isso é um dever moral para com nossa sociedade. Entretanto, a “moral” é, por definição, um conceito subjetivo e, consequentemente, variável de pessoa para pessoa e de sociedade para sociedade. Para que seja possível dizer que algo é moral ou não, devemos partir de pressupostos que estão enviesados no contexto e na vida de cada um de nós.
A doutrinação ideológica no sistema educacional do país é um tema que vem ganhando destaque nos últimos anos. dentro e fora das escolas e universidades. Fonte: Getty Images
Ainda, para analisar o conceito de imparcialidade e sua relação com a moralidade, podemos pensar no exemplo de um serial killer, utilizado em um texto do professor Troy Jollimore, da universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Imaginemos um serial killer que assassine apenas pessoas que se pareçam com determinada celebridade.
Podemos afirmar que esse criminoso é completamente imparcial quanto às religiões, crenças e profissões de suas vítimas, por exemplo. Mas não podemos afirmar que suas ações, por serem imparciais, são automaticamente morais. Assim, dizer que a educação deve ser imparcial não é necessariamente algo moral.
Tomemos o ensino de física como exemplo. O que ensinaremos para os alunos? Apenas equações que descrevem um número determinado de fenômenos naturais ou falaremos que a Física, assim como é o papel da Ciência de modo geral, nos apresenta uma forma específica de pensar e questionar o mundo ao nosso redor. A quem interessa esse tipo de decisão?
Devemos dizer para os alunos simplesmente aceitarem as informações que chegam até eles através de uma figura de autoridade em sala de aula que é o professor? Ou dizer que os alunos e, portanto, futuros cidadãos, devem questionar a sua realidade e, se necessário, suas autoridades? Dizer isso é algo imparcial ou é doutrinação ideológica?
É fácil perceber que, para responder um questionamento inicial, podemos fazer diversas outras perguntas. Isso serve para refletirmos e ter a noção do quão complexo é esse assunto. Normalmente, assuntos complexos requerem respostas complexas.
A educação no país já tem problemas demais em uma realidade de baixo investimento e falta de valorização que já é complexa o bastante e exige que tomemos cuidado com respostas e análises simplórias. Exatamente por isso, não há espaço para discutir aqui notícias falsas e teorias da conspiração como ideologia de gênero ou marxismo cultural, por exemplo.
Paulo Freire, é um educador brasileiro reconhecido internacionalmente por seu trabalho de alfabetização de adultos e diversos livros sobre pedagogia. Entretanto, seu nome virou motivo de controvérsia uma vez que a polarização política ficou mais acirrada no país. Sobre a imparcialidade, Freire disse: “Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua ideologia é inclusiva ou excludente?”.
Fontes