A tecnologia trouxe diversas facilidades para o nosso cotidiano, com aplicativos, gadgets e dispositivos que podem nos manter conectados a qualquer momento e em qualquer lugar. Com isso, é possível realizar um número expressivo de tarefas em uma curto período, como responder mensagens, marcar uma consulta, enviar um arquivo, pagar um boleto, atender uma chamada e, até mesmo, trabalhar à distância.
No entanto, essa mesma facilidade que encurtou distâncias durante a pandemia e nos manteve em contato com familiares e amigos, também dissipou as barreiras entre o trabalho e a vida pessoal. A partir do momento em que o trabalhador pode ser contactado a qualquer momento e em qualquer lugar, muitos passaram a ter problemas em delimitar essas interações, respondendo e-mails e mensagens fora do horário de trabalho, tirando uma dúvida ou “quebrando um galho”.
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Esse excesso de conectividade interfere na qualidade de vida dos profissionais, causando o chamado burnout digital.
O que é o Burnout digital
O Burnout digital provém da Síndrome de Burnout, causada pelo excesso de trabalho.Fonte: Getty Images
O burnout digital é um termo originado da Síndrome de Burnout — um distúrbio emocional causado pelo excesso de trabalho, responsável pelo esgotamento emocional e físico. Apesar de ter se propagado, é importante ressaltar que não se trata de um diagnóstico formal, mas um conjunto de características que têm aparecido em um número expressivo de pessoas. É o que explica a psicóloga Carolina Molais, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental.
“Existem três aspectos que se relacionam entre esgotamento relacionado ao trabalho e às telas: a exaustão física, exaustão emocional e dificuldades na socialização”, explica a profissional. “O contato frequente com dispositivos tecnológicos, por exemplo, em casos de trabalho Home office, associado ao uso recreativo, pode nos levar a um desgaste excessivo global (físico e mental)”, diz Molais.
Dessa maneira, é possível afirmar que o burnout digital é um problema já existente que foi intensificado pelo uso das telas. Para lidar com este problema, é importante primeiro saber reconhecê-lo.
Como identificar o burnout?
Segundo a psicóloga, é importante se atentar a sinais de estresse, como: dores de cabeça mais frequentes, dores ou sensação de cansaço nos olhos, dificuldades de concentração, irritabilidade, tensão muscular, agitação física e mental, dificuldades no sono, sensação de exaustão constante, entre outros.
Molais ainda reforça que sentir dificuldades ao praticar atividades diárias ou um nível de desconforto físico e mental acima do padrão são indicativos de que é preciso procurar ajuda especializada.
A tecnologia nos faz trabalhar mais ou menos
Estar conectado a todo momento pode causar esgotamento emocional e até mesmo físico.Fonte: Getty Images
Como citado no início deste artigo, as facilidades da tecnologia também trazem a pressão do imediatismo, fazendo com que os profissionais trabalhem mais sem perceber.
Em uma entrevista à Consumidor Moderno, durante a Convenção da Associação Brasileira de Franchising de 2022, o oncologista Dr. Drauzio Varella afirmou que, ao capacitar o ser humano a fazer mais, os avanços tecnológicos tornaram o mercado de trabalho mais competitivo.
“Não estamos preparados biologicamente para enfrentar este tipo de pressão, de estar com a atenção dividida o tempo inteiro”, diz o médico. “O cérebro não tem capacidade de organizar todos esses pensamentos e todas essas exigências no mesmo pacote”, explica Varella.
Segundo o especialista, esse grau de atenção exigido provoca culpa e exaustão visto que o cérebro humano não consegue suprir todas as demandas. “O que mais tenho visto são jovens com problema de memória, de déficit de atenção pelo excesso de informações”, explica Drauzio.
Vale ressaltar, porém, que a tecnologia não é a inimiga, mas é preciso refletir sobre a relação com ela. Conforme explica o médico, a ciência continuará se reinventando, apresentando novos recursos e consequentemente novas demandas. Portanto, essa é a hora de pensar como as relações de trabalho vão ser conduzidas para garantir a saúde mental dos profissionais.
Desconectar é importante
Cultivar hábitos livres de tela e praticar atividades ao ar livre são fundamentais para a manutenção da saúde mental.Fonte: Getty Images
Para a psicóloga Carolina Molais, a internet é uma ferramenta múltipla que se instalou de maneira intensa no cotidiano das pessoas. “O contato com smartphones mudou a nossa forma de socializar (…) esse contato se reforça através do acesso facilitado a prazeres imediatos. Temos lidado cada vez menos com frustração nesse sentido”, explica.
Quando não conectados por necessidade, como as demandas de trabalho, os usuários tendem a buscar as redes sociais em momentos de lazer. Segundo a especialista, as grandes empresas de tecnologia e marketing trabalham diariamente para compreender os interesses dos usuários e atender seus desejos de maneira mais assertiva.
“Porém, devemos estar cientes de que o uso excessivo poderá nos trazer consequências e nos manter ativados até mesmo quando não estamos diante dos dispositivos”, ressalta. Portanto, se desconectar ao longo do dia, principalmente nos momentos de descanso, é fundamental para evitar o burnout digital.
Como evitar a exaustão?
Uma das principais formas de evitar a exaustão mental no cenário de conexão constante é inserindo atividades sem telas na rotina. Alguns hábitos que podem contribuir para um melhor bem-estar estão relacionados à atenção focada, ou seja, que exigem total foco do indivíduo durante a atividade, como trabalhos manuais, a prática de instrumentos musicais ou jogos de cartas e tabuleiros.
A atenção focada também pode ser praticada em atividades do dia a dia, simplesmente ao excluir as telas. Evitar mexer no celular durante as refeições ou tarefas diárias, como lavar a louça, já possuem um impacto positivo no fim do dia.
Por fim, mas não menos importante, praticar atividades físicas e ao ar livre são fundamentais para evitar a exaustão física e mental causadas pelo trabalho e pela conectividade excessiva. No geral, cuidados com o corpo, saúde e higiene sem a associação de telas são fundamentais para a manutenção da saúde mental.
Construindo uma relação saudável com o trabalho
Além das práticas citadas para uma melhor qualidade de vida, é importante estabelecer uma relação saudável com o trabalho. A psicóloga Ana Beatriz Oliveira listou algumas práticas para uma rotina mais equilibrada, são elas:
- Evitar mudar e flexibilizar os horários de trabalho;
- Fazer pausas periódicas durante o tempo de trabalho;
- Cultivar hábitos saudáveis com a alimentação;
- Manter contato com amigos e familiares;
- Bloquear a luz azul das telas;
- Buscar um sono reparador.
Além disso, é importante determinar limites entre a sua vida profissional e pessoal, principalmente no cenário do home office. Algumas práticas podem tornar esses limites ainda mais claros, como:
- Bloquear notificações após o fim do expediente;
- Habilitar os modos de foco para maior produtividade durante o horário de trabalho — evitando a procrastinação;
- Evitar trabalhar no quarto ou em locais de descanso da casa;
- Habilitar o limite de uso de aplicativos para diminuir o tempo de tela diário e;
- Manter os contatos do trabalho nos dispositivos pessoais dentro do extremo necessário.
Vale ressaltar que a Síndrome de Burnout foi considerada um fenômeno ocupacional pela Organização Mundial de Saúde em 2019, antes mesmo da pandemia de covid-19. Profissionais que recebem este diagnóstico possuem o direito a afastamento do trabalho para tratamento. Portanto, além de buscar melhores hábitos, é igualmente importante buscar ajuda profissional e um diagnóstico.
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