‘Dor coletiva’: o que diz quem perdeu emprego nos últimos layoffs no Brasil

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Imagem: pcess609/Getty Images

Uma palavra de origem anglo-saxã entrou definitivamente no vocabulário de pessoas que trabalham no mercado corporativo: layoff. Se profissionais com mais tempo de experiência já tinham pelo menos ouvido falar no termo, jovens que estão começando suas carreiras também já foram apresentados ao conceito da pior forma possível.

  • Layoff: no Brasil, o termo tem se popularizado como um processo de demissão em massa, que acontece quando empresas precisam cortar custos, pedem recuperação judicial ou falência, por exemplo. Contudo, o conceito também pode se tratar de uma pausa no contrato de trabalho, que está regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
  • Demissão: a palavra é mais popular e indica o desligamento ou rescisão de uma atividade remunerada. A prática pode ser realizada por justa causa (quando o trabalhador fere algum tipo de regra que está no contrato); sem justa causa; por término de contrato; por vontade do empregado ou em casos de falência e aposentadoria.

De acordo com o Google Trends — serviço que mostra o volume de buscas por determinadas palavras —, a expressão "layoff" registrou um aumento de interesse em março de 2020. O período coincidiu exatamente com o decreto da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que a covid-19 era uma pandemia.

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Apesar da alta no volume de buscas naquele período, nada se compara com janeiro de 2023. O primeiro mês deste ano atingiu o ápice no volume de buscas da palavra "layoff" em comparação com os últimos 5 anos.

Google Trends

O crescimento da curiosidade em relação à expressão aconteceu por causa das demissões em massa que estão ocorrendo em dezenas de empresas desde o ano passado. Somente nas chamadas "big techs", incluindo Meta, Amazon, Google e Microsoft, mais de 50 mil pessoas já perderam seus empregos.

O movimento que começou no mercado internacional também teve repercussão no Brasil. Por aqui os desligamentos passam dos milhares. O TecMundo conversou com algumas dessas pessoas que não perderam somente o posto de trabalho, mas também tiveram que adiar alguns sonhos e planos.

Terceiro layoff da vida

"A notícia [da demissão] tirou o meu chão. Num dia você está trabalhando com os projetos equilibrados e no outro dia não está mais. Isso te deixa com uma preocupação muito grande e gera uma sensação de desespero", relata Iris Mota, que era executiva de Novos Negócios no iFood até agosto de 2022.

Ela trabalhou na empresa durante pouco mais de 1 ano e, infelizmente, já havia sido demitida em outros dois layoffs. A profissional conta que uma demissão gera bastante preocupação e um cenário de insegurança acerca do futuro.

Apesar disso, Iris faz questão de ressaltar que é importante retomar a autoestima e lembrar o quanto você é um bom profissional. Desde que saiu do iFood, ela segue se qualificando e buscando novas oportunidades.

iFood

Com um filho de 8 anos e um marido que também perdeu o emprego em uma demissão em massa, o casal enxergou no empreendedorismo uma forma de continuar se mantendo financeiramente. Eles mantêm uma loja online de camisas com frases (chamada Inspire) e pensam em conciliar a atividade empreendedora com os novos empregos — que eles têm fé que virão em breve.

"É bom porque não ficamos o dia todo presos na empresa, já que trabalhamos por demanda. Mas para o futuro, queremos abrir uma loja física, mas é mais para frente, já que requer investimento e não é investimento baixo", finaliza.

Continuar trabalhando antes da recolocação

Sheila Panigassi era coordenadora de CRM Analytics na PagSeguro, até que foi desligada há menos de dois meses. De acordo com ela, a demissão foi totalmente inesperada, apesar de haver indícios de que algo poderia acontecer.

"Nunca é fácil receber uma notícia dessas. Mas eu tive a sorte de que a empresa tem a cultura de não deixar que a tecnologia engula os relacionamentos. O meu gestor direto foi extremamente cauteloso e cuidadoso e eu consegui perceber o grau de incômodo e preocupação que ele ficou com a situação", conta.

Mesmo com o desafio em relação ao futuro que a falta de um emprego escancara, Panigassi prefere ter uma atitude que chama de "realista, mas sem romantização". Aproveitando para refletir sobre o momento, ela diz que está tomando cuidado para não deixar o stress "tomar conta" e revela uma forma diferente de encarar o desemprego.

CRM

"Não há um dia em que não abra o meu computador, procure vagas, atualize o meu LinkedIn, converse com pessoas e etc. Também sigo me atualizando, já que fui dispensada quando estava no meio de um MBA. Então acho muito importante que quem está passando por isso tenha essa motivação e siga considerando a busca pela recolocação como se fosse um trabalho", argumenta.

Ela segue confiante e ainda lembra que situações do tipo são absorvidas de maneira menos dolorosa por quem tem mais experiência.

"A gente vai criando outros parâmetros para a nossa vida e começa a repensar as escolhas. Ao mesmo tempo que essas big techs estão fazendo cortes, as pequenas empresas estão precisando de profissionais com maior musculatura. Então diante de uma condição assim, começamos a olhar para empregos mais tradicionais como uma possibilidade interessante", conclui.

Tempo para refletir

A reportagem conversou com um profissional do setor de TI que foi demitido há 15 dias de um banco. Ele preferiu não se identificar por receio de que possa ser prejudicado na procura de outras vagas.

Vindo de outra região do Brasil, o jovem trabalhava presencialmente na sede do empreendimento em São Paulo (capital). Ele conta que a mudança de estado foi "punk" e que trabalhar com tecnologia no setor financeiro foi recompensador, apesar de muito desafiador.

"Eu nunca tinha trabalhado em um lugar que me exigisse tanto como eu fui exigido neste último emprego. Neste meio tempo ainda acabei desenvolvendo crise de ansiedade, que apesar de não ter a ver com o trabalho, me afetou na vida profissional", revela.

Metrô

O profissional de TI relata certa confusão para obter informações sobre o processo de dispensa, FGTS e outros recebimentos. "Por causa da ansiedade, a demora de 3 dias em receber um retorno é um tempo que me deixa um pouco mal".

De outro lado, ele elenca vários elogios à antiga empresa, principalmente sobre o tratamento que recebeu por ser deficiente físico. No setor de tecnologia, ele ajudou a desenvolver vários projetos para Pessoas com Deficiência (PcD) e diz que sempre recebeu apoio por ter a família morando em outro estado.

"Agora também estou recebendo ajuda de colegas, incluindo alguns que trabalhavam comigo. Mas quero me dar um tempo, já que os 4 anos de trabalho no banco foram muito puxados. Pretendo dar entrada no seguro-desemprego e voltar para o meu estado, já que em São Paulo o custo de vida é muito alto. Quero ficar um tempo com os meus pais e me planejar para retomar o plano que tinha de fazer um intercâmbio para estudar", cita.

"É uma dor coletiva"

O TecMundo também conversou com uma profissional que até a última quarta-feira (1º) era funcionária do iFood. Em condição de anonimato, ela comenta sobre a tristeza de receber a notícia do desligamento.

"Eu gostava muito de trabalhar lá. Por minha vontade eu não teria saído. Eu chorei na hora que fui informada, já que por mais que soubesse que poderia acontecer, não estava esperando. Neste momento rola um sentimento de 'putz, o que eu poderia ter feito diferente?' Por mais que a minha dispensa não tenha sido por performance, eu fiquei muito chateada", declara.

"Por mais que soubesse que poderia acontecer, não estava esperando."

Ela definiu o momento que está passando como uma "montanha russa de sensações". No dia da demissão, uma das sensações que tomou conta foi a raiva. Depois de um dia da triste notícia, a percepção é um pouco melhor por causa do apoio do namorado e dos pais.

iFood

Ela revela que não se arrepende de ter vivido a experiência profissional no iFood, mesmo com a alta cobrança por resultados. A fonte ouvida pela reportagem cita que o processo envolveu bastante crescimento pessoal e profissional.

Outra questão que tem ajudado a diminuir um pouco o inconformismo é a empatia de entender que há outras pessoas demitidas que estão numa situação bem pior, já que têm filhos, por exemplo. "É uma dor coletiva e não pessoal", define.

"Eu vou descansar a cabeça e na semana que vem vou começar a pensar no futuro. Já recebi mensagens sobre vagas, mas não estou refletindo tanto sobre os próximos passos. Quero ver para onde vou seguir, já que estou em uma área que já fiz muita coisa. Quero entender onde me encaixo melhor. Eu vou recalcular a rota da minha vida", acrescenta.

As demissões no Brasil

Para acompanhar a onda de demissões que vem ocorrendo no Brasil foi criado em junho de 2022 o site Layoffs Brasil. A página é de autoria de João Gabriel Santos e funciona como um "banco de dados aberto para analisar o impacto das demissões em massa e ajudar profissionais na recolocação".

Com dados compilados e registrados pela própria comunidade, até este começo de março de 2023 o site já contabiliza que mais de 60 empresas demitiram em massa desde metade do ano passado. Pelos registros do Layoffs Brasil, mais de 5 mil brasileiros perderam os postos de trabalho nos últimos 9 meses.

Com opções para compartilhar as listas de desligados por Twitter, LinkedIn e WhatsApp, a plataforma tem servido como importante recurso para que os afetados possam se mostrar em busca de novas vagas.

Layoffs Brasil

Outro lado

O TecMundo consultou as empresas citadas nominalmente na matéria para saber sobre os motivos oficiais das demissões. Confira abaixo as respostas dos empreendimentos:

PagSeguro

"Assim como empresas de tecnologia e fintechs no Brasil e no mundo, o PagBank PagSeguro também está fazendo alguns ajustes em sua estrutura. Após anos de crescimento contínuo do nosso time, estamos implementando redução de cerca de 7% do total de profissionais, de diversas áreas, com o objetivo de melhorar a eficiência da companhia. O PagBank PagSeguro continua empenhado em sua missão de democratizar o acesso a serviços financeiros e soluções de pagamento no Brasil, oferecendo um ecossistema simples, seguro, acessível e digital a comerciantes e consumidores”.

iFood

A empresa não retornou o contato até o fechamento da reportagem.

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