Papo cabeça: a corrida para implantar chips em nosso cérebro

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Conectar o cérebro diretamente a um computador. Esse é um sonho antigo da ficção científica que há décadas nos apresenta as possibilidades (positivas e negativas) desse cenário.

Mas para além de poder aprender kung-fu instantaneamente, as interfaces cérebro-computador têm uma função muito mais prática no mundo real, além do potencial de ajudar muita gente.

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Esses dispositivos funcionam coletando sinais elétricos gerados no cérebro e convertendo-os em comandos que executam um movimento, como mover um braço robótico ou um cursor em uma tela. Os implantes atuam essencialmente como um intermediário entre a mente e o computador

A neurotecnologia como negócio começou a ganhar muita tração nos últimos anos e está quase pronta para cruzar a fronteira entre pesquisa científica e comercialização.

Reprodução(Fonte: Business Wire/Reprodução)Fonte: Business Wire

Graham Felstead foi o primeiro paciente inscrito no estudo clínico Stentrode e a primeira pessoa a ter qualquer Brain Computer Interface (BCI) implantado através dos vasos sanguíneos.

You were always on my mind

O ano passado bateu o recorde de financiamento de empresas com projetos que envolvem interfaces cérebro-computador, inventindo mais de US$ 370 milhões — quase o triplo dos US$ 132 milhões de 2019 e o dobro dos US$ 194 milhões de 2020.

Só a Neuralink, do Elon Musk, anunciou um financiamento de Série C de US$ 205 milhões, enquanto a Paradromics conseguiu um seed de US$ 20 milhões. Mas quem mostrou o resultado primeiro foi a Synchron.

Ainda em 2021, a startup do Brooklyn recebeu o aval da Federal Drug Administration (FDA) — a Anvisa dos States — para realizar testes clínicos de seu principal produto, o Stentrode, com pacientes humanos.

Mesmo antes dessa aprovação, quatro pacientes da Austrália já tinham recebido o dispositivo. Em julho passado, a Synchron foi a primeira empresa a implantar um chip em uma pessoa nos Estados Unidos.

O Stentrode foi projetado para permitir que pacientes com paralisia grave se comuniquem usando seus pensamentos. Em uma era em que quase tudo é digital, os pacientes que receberam o dispositivo podem enviar mensagens de texto, fazer compras online e acessar aplicativos sem ajuda externa. Os quatro australianos já usam o chip há mais de 1 ano, sem efeitos adversos graves.

Do laboratório para a prateleira

Desde os anos 1960, testes com chips em cérebros de mamíferos vêm sendo feitos. Mas o salto tecnológico veio mesmo nos anos 2000. As baterias dos dispositivos ficaram menores e passaram a funcionar mais frias.

Novos revestimentos para eletrodos e hastes menores reduziram a reação confusa do cérebro aos implantes. Os pesquisadores começaram a desenvolver chips que podiam se comunicar sem fio.

De acordo com algumas estimativas, a neurotecnologia pode ser um mercado de US$ 3 bilhões em meados da metade da década e quase o dobro disso até 2030. Na briga para ver quem será a Apple ou a Google da neurotecnologia, Musk chegou fazendo barulho (para variar).

Há 3 anos, ele afirmou que os implantes da Neuralink poderiam permitir a criação de avatares virtuais dotados de “telepatia de banda larga”. Como Ícaro, Musk talvez esteja voando muito perto do Sol, prometendo até fundir nossos cérebros com inteligência artificial (IA).

A Synchron foi mais “low profile”. Recebeu US$ 50 milhões em financiamento para desenvolver o Stentrode, um dispositivo que requer cirurgia cerebral minimamente invasiva.

“Não vejo uma realidade cyberpunk”, diz Tom Oxley, diretor-executivo da Synchron, falando ao Business Insider. “Eu vejo uma indústria médica que é mais parecida com a cirurgia LASIK. Será eletivo. Será seguro. Será invisível. E vai ajudá-lo a se envolver melhor com o mundo digital”, ele afirmou.

Stemrode(Fonte: Business Wire/Reprodução)

"Comofas?"

Mas o cérebro não é plug and play. Para que o Stentrode seja implantado, os pesquisadores precisam passar cerca de 3 horas estudando a anatomia do cérebro do paciente, medindo como diferentes movimentos afetam seus sinais cerebrais.

A empresa ainda usa aprendizado de máquina e profundo, eletrofisiologia e neurociência para tentar criar algoritmos que possam traduzir sinais neurais em uma saída digital que o paciente consiga controlar com o pensamento.

Além da Synchron, a única startup aprovada pela FDA é a Blackrock Neurotech, com o seu Utah array. Porém, sua implantação requer abrir o couro cabeludo e perfurar o crânio do paciente.

No caso do Stentrode, o procedimento de implantação é feito pela veia jugular. O dispositivo então viaja até um vaso sanguíneo que fica ao lado do córtex motor do cérebro. O paciente volta para casa no mesmo dia.

Deu tilt nos miolos 

Com a tecnologia se tornando cada vez mais comercial, também vem uma série de riscos éticos, legais e sociais. Todos esses dispositivos são alimentados por um ingrediente que se tornou muito valioso na última década: dados.

O que naturalmente leva a perguntas como: “Por quanto tempo esses dados devem ser armazenados?”, “Eles podem ser usados fora da aplicação imediata do dispositivo?” e “Quem é seu proprietário?”.

Para a professora de Direito Jennifer Chandler, da Universidade de Ottawa, que estuda a interseção das ciências do cérebro, do direito e da ética, essas questões são importantes, mas não devem impedir o avanço da tecnologia.

“O paciente deve estar ciente dos riscos, armadilhas e desafios para resolvê-los desde o início e se preparar enquanto busca os benefícios também”, ela afirmou em entrevista à revista Wired.

No outro lado do balcão, investidores e cientistas acreditam que os dados coletados por pacientes com deficiências graves podem ajudar a desenvolver ferramentas de aprimoramento, como “aplicativos para a mente”. Isso pode incluir desde rastreadores de sono até repressores de ansiedade.

Os chips ainda podem fornecer dados sobre como medicamentos afetam a química do cérebro e de que modo se cria drogas mais eficazes no tratamento de doenças psiquiátricas.

“O que eu acredito que vai acontecer é que haverá duas ou três empresas que levarão o chip para o cérebro”, avaliou Christian Angermayer, que faz parte do conselho da Blackrock e investiu na Synchron. “Então você terá lojas de aplicativos e milhares de empresas construindo esse tipo de tecnologia de plataforma”, ele complementou.

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