O mundo dos negócios digitais é uma moeda de duas faces. Cara, recursos tecnológicos sem precedentes, performance superior e crescimento exponencial. Coroa, necessidade de mão de obra especializada e endemicamente em falta – um dado recente da Softex aponta a falta de até 400 mil pessoas qualificadas em Tecnologia da Informação (TI) em 2022 no Brasil, algo realmente impressionante e cujos reflexos sentimos em nosso dia a dia.
Logo, gerir, manter e desenvolver esse perfil de profissional passou a ser um desafio constante para toda a cadeia digital. Em que pese que não há uma resposta definitiva ou única, alguns caminhos se mostram promissores e podem fazer a diferença para garantir uma entrega robusta no digital. Uma das primeiras apostas do mercado foi a conhecida carreira em “Y”, na qual o profissional pode seguir por dois caminhos diferentes e ainda sim garantir uma evolução em termos de responsabilidades e remuneração.
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Em uma perna do “Y” – ainda a mais requisitada – o profissional complementa sua formação técnica com conhecimentos de administração e vendas e passa a gerir uma equipe, sendo responsável pelas entregas, relacionamento com o cliente e resultados financeiros. Do outro lado, temos a atuação com foco na área técnica, com o aprofundamento do conhecimento (principalmente, suas constantes atualizações) em determinada tecnologia, linguagem ou plataforma e sua aplicação.
Trata-se de uma abordagem necessária – há resistências ainda em algumas empresas e mercados –, mas não responde a tudo.
Primeiro, que técnicos com habilidade de gestão e comercial ainda são raros e nem todos estão dispostos a encarar uma jornada de formação – pelo menos não imediatamente. Identificou alguém na sua equipe com esse perfil? Então trate de investir. Além disso, um técnico adquirindo novas experiências ao longo de sua carreira pode se abrir para esta área. Capacitar tecnicamente uma pessoa de gestão é uma opção também, porém mais difícil visto que a capacitação técnica demanda muitas horas de treinamento e até um perfil comportamental.
Indo para a outra perna do “Y”, há que se ter todo um olhar diferenciado para a carreira com foco técnico e em relação a vários aspectos. Muitos profissionais com este perfil não apreciam reuniões, longos treinamentos, contato mais direto com os clientes, horários fixos, portanto, muita flexibilidade e uma gestão de carreira individualizada são fundamentais para que eles produzam e fiquem nas organizações.
Cuidado também com o modelo de contratação. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), associado, sócio ou PJ. Atualmente os profissionais têm expectativas diferentes, mas há que se manter um alinhamento mínimo e, mais uma vez, não cair na armadilha de privilegiar apenas a área de vendas.
Colocado em prática este modelo, com suas dificuldades inerentes, chega então um desafio adicional: como gerir as promoções? Neste momento, a área de gestão e vendas de TI continua levando vantagem, espantando técnicos talentosos e, em uma situação extrema, cria empresas que vendem bem, mas não têm técnicos em quantidade suficiente para manter uma entrega consistente. Uma opção – pelo menos para empresas mais maduras e com recursos – é a realização de processos de avaliação e evolução periódicos com feedbacks de pares, superiores e outros pontos de contato, a famosa avaliação 360°.
Uma abordagem consistente nas promoções evita outro fator que espanta profissionais de perfil técnico: a falta de respeito pela liderança. Colocar alguém sem os conhecimentos técnicos mínimos, além de prejudicar a execução do projeto, invariavelmente gera atritos e desconfortos que levaram muitos liderados a buscarem outras “praias”, que, como vimos, não estão faltando. Aliás, essa questão tem outro reflexo delicado: técnicos saem de suas posições de analista ou supervisor direto para cargo de liderança, não fazendo as entregas necessárias e até, às vezes, tendo que retroceder na carreira.
Neste cenário, duas abordagens ainda são importantes. Os clássicos programas de formação de lideranças são sim importantes para o crescimento das empresas e de sua equipe. A vantagem é que estes programas atendem às necessidades específicas de cada contexto e pessoa, além de ajudar na retenção do profissional. O trabalho em squads, formato mais horizontal e focado, costuma ser um ambiente mais amigável para que todos apliquem seus conhecimentos.
O pico de demanda por tecnologia e a falta de pessoal qualificado são problemas estruturais de difícil solução e de longo prazo. As práticas acima, no entanto, colaboram para formar um “ninho” atraente para que os times técnicos, cresçam, permaneçam e, em alguns casos, alcem voo para vendas e gestão com impulso próprio.
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Nathália Dalla Corte é sócia e diretora de Business & Strategy da Cadastra, empresa global de soluções de marketing, tecnologia, estratégia de negócios, data e analytics.
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