O fato de que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo vem sendo gritado a sete ventos e ainda estamos longe de reverter isso. Apenas em 2020, foram 175 assassinatos de pessoas entre 13 e 35 anos e essa população segue com uma expectativa de vida de 35 anos, contra uma média acima de 70 entre os brasileiros no geral.
Como criadores e criadores de soluções digitais mundo afora, entendo que temos a responsabilidade urgente de incluir, dar visibilidade e potencializar o respeito às vidas trans em nossas soluções.
Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
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Trazendo a inclusão para o design e criação de produtos digitais, como resolver problemas do dia a dia com um olhar empático e de alteridade em relação a outras pessoas? Vou dividir 5 aprendizados que tive no último ano e que vão te ajudar nessa jornada rumo à inclusão:
Derrube o mito "vamos projetar para a maioria"
Quando se trata de atributos de produto, que incluem e atendem às necessidades de populações minorizadas, é essencial que esses sejam tratados como premissas básicas e que façam parte dos princípios do produto.
Perceba que estamos falando sobre uma população que recorrentemente tem sua existência negada, ou seja, para que possamos atingir o objetivo de inclusão/respeito no nosso produto, não adianta olhar para a maioria de clientes ou para o potencial de vendas e receita, por exemplo, como critério de priorização e decisão. É preciso ter um olhar diferente. Aquele que atua como agente de transformação da sociedade e que se preocupa de maneira ativa com o respeito à existência dessas pessoas.
Vou citar como exemplo o campo de Nome Social em um formulário de cadastro. Talvez, apenas uma pequena parcela das pessoas que acessam seu sistema se identifique como pessoa trans e utilize esse espaço, mas, isso não o torna dispensável. Quando se trata de inclusão, não estamos buscando atender apenas a maioria, e sim incluir.
Se você acha que seu público não é composto por pessoas trans, já pensou que pode ser por que seu negócio/serviço/sistema não as inclui?
Uma vez que entrego mais visibilidade a esse grupo de pessoas em nossos produtos, além de respeitá-las e oferecer a melhor experiência possível, também impacto positivamente as pessoas que ali navegam.
Reaprenda, pesquise, escute, observe
Para incluir, é necessário reaprender, estudar, escutar genuinamente e exercitar a empatia. Uma vez que projeto um produto com base em deduções e em nossas necessidades individuais, vou errar e vamos praticar a exclusão.
É necessário entender de onde falamos e o lugar que ocupo socialmente. Assim posso aprender e agir com coerência e respeito colocando as pessoas no centro das soluções.
Fonte: Shutterstock
Seja consistente e coerente
Uma vez que entendo como seguir e quais adaptações devem ser feitas, levo isso para toda a jornada com consistência e coerência.
Não adianta incluir um campo de Nome Social no formulário da minha empresa e enviar uma mensagem de conclusão se dirigindo à pessoa pelo Nome de Registro. Ou na hora do atendimento ao cliente se dirigir à pessoa pelo o pronome errado. É necessário promover a inclusão de uma ponta a outra.
Caso você precise realmente saber alguma informação, como o nome de registro para questões burocráticas, por exemplo, explique o porquê e respeite o uso apenas para tal finalidade.
Se comunique adequadamente
Aqui está um ponto muito interessante. Use a comunicação inclusiva e neutra para montar a jornada completa das pessoas que usam seu produto/sistema: na Redação UX (microcopy/ UX Writing), nos conteúdos institucionais, educativos e promocionais, comunicações transacionais e de suporte ao cliente.
Atenção ao uso de x ou @ para trazer neutralidade de gênero. Esse uso online não é acessível e prejudica pessoas que usam leitores de tela para navegar.
Um bom caminho é substituir, por exemplo, "Os diretores da empresa pensam que.." por "A diretoria da empresa pensa que.." ou "Como quer ser chamada?" por "Como quer que eu te chame?"
Faça de tudo isso uma cultura de produto
Ações pontuais, mesmo que válidas, não sustentam uma cultura de inclusão no desenvolvimento de produtos digitais. É importante que o time esteja consciente e em constante aprendizado quando se fala de inclusão, que o conhecimento seja ativo e distribuído e crie-se processos e combinados de práticas de produto que fortaleçam a cultura no time no dia a dia.
Essas são algumas dicas a partir dos meus aprendizados que podem te ajudar a tornar o seu produto mais inclusivo para as pessoas trans. Mas, para que isso ocorra de forma mais eficiente é importante que o compromisso com o respeito à diversidade seja transversal no seu negócio. Seja com ações pequenas ou revolucionárias, o importante é ter a mente aberta para aprender, respeitar e fazer do mundo corporativo e da sociedade um lugar melhor e inclusivo.
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Mariana Malveira é apaixonada por viagens, empreendedorismo e tecnologia. Combinando a formação em Design e a experiência com negócios e gestão, fundou a DeÔnibus junto com seu irmão,Breno Moraes, que é um dos principais marketplaces de passagens rodoviárias do Brasil e está no mercado há nove anos.