Para quem acredita em "questões cósmicas", o Facebook está vivendo uma espécie de "inferno astral". A crise de imagem da gigante da tecnologia já se arrasta há alguns anos e foi ganhando capítulos a cada novo escândalo envolvendo a marca.
Apesar das situações anteriores, pode-se dizer que parte dos problemas recentes da companhia datam de meados da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, em 2016. Em 2018, por exemplo, descobriu-se que a campanha do republicano havia utilizado dados privados de 50 milhões de usuários da rede social.
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A eleição de Trump, que foi considerada uma surpresa para muitos analistas, acabou sendo "jogada nas contas" das redes sociais, já que na época o empresário era bastante forte na internet e considerado um "outsider" na disputa. O debate em torno do quanto as plataformas podem influenciar na democracia acabou se transformando na discussão sobre o que é ou não permitido e como as mídias digitais podem manipular as eleições.
Sobre isso, o Facebook chegou a ser acusado de tomar ações insuficientes contra as fake news e campanhas massivas de desinformação, que, na atual pandemia de covid-19, acabou levando pessoas a repassar informações falsas sobre vacinas e a própria doença.
Como se não bastasse tudo isso, o Facebook também foi acusado durante os últimos anos de vazamentos de dados, censura e monopólio, acusações que fizeram até com que o próprio Mark Zuckerberg fosse convocado para dar explicações ao Congresso dos Estados Unidos.
Na polêmica que explodiu mais recentemente, a empresa pode ser responsabilizada por omitir a informação de que suas redes, principalmente o Instagram, causam um impacto negativo na saúde mental das pessoas.
Por causa disso, nos Estados Unidos, já há um questionamento, inclusive, se o Facebook é a indústria do tabaco do século XXI. A comparação é que as empresas de cigarro por volta da década de 1960 já sabiam que seu produto fazia mal à saúde e estava, inclusive, associado ao aumento de casos de câncer. As companhias de cigarro chegaram até mesmo a esconder pesquisas internas que revelavam essas informações, assim como o próprio Facebook foi acusado de fazer com os relatórios que admitiam o impacto negativo na saúde mental, principalmente em meninas adolescentes.
Mudança de nome
No meio de tanto incômodo, o time de executivos da marca parece ter enxergado na mudança de nome da empresa uma possível solução para os problemas. De acordo com o site The Verge, o novo nome deve ser anunciado em 28 de outubro, durante a conferência anual Connect, realizada pelo CEO, Mark Zuckerberg.
A mudança pode deixar a empresa mais abrangente, para que ela não seja mais somente reconhecida como uma companhia dona de várias redes sociais. Além disso, o novo conceito pode fortalecer a implementação do chamado metaverso que a companhia quer construir.
O processo de mudança é chamado no mundo de marketing de "rebranding". O TecMundo conversou com Regina Nogueira, especialista em reposicionamento de marca, a qual explicou que esse é um processo composto de ações estratégicas que tem como objetivo a reexpressão de uma marca.
Ela explica que isso pode acontecer quando uma companhia percebe que precisa rever seu posicionamento perante o mercado, atualizar-se e conectar-se com outros públicos. Empreitadas desse tipo acontecem principalmente se as pessoas e outras empresas passam a avaliá-la de forma negativa.
"Nesse sentido, uma marca faz rebranding porque é obrigada a rever seus processos para se manter no topo. As razões podem ser variadas, como a própria autocrítica da empresa e a consciência de que não atende aos objetivos propostos. Isso pode acontecer em função de vários fatores, uma queda expressiva de valor na bolsa, diminuição de market share (fatia de mercado) e erros cometidos publicamente que abalam e causam problemas de imagem e rejeição do público", disse Nogueira.
Reconstrução
A especialista comenta que o rebranding pode ser encarado como uma "reconstrução", já que ele tem como objetivo resgatar o propósito, as missões e os valores de uma marca. Para alcançar tudo isso, as modificações não acontecem somente da porta para fora, mas também dentro dos escritórios.
"O caso do Facebook é mandatório um rebranding. O propósito e a estratégia foram afetados por falhas na 'espinha dorsal' da empresa. A comunicação e a expressão com os usuários foram desfiguradas e, por isso, a resposta precisa ser rápida para evitar ainda mais desconfiança e perda de credibilidade", ela afirmou.
"O propósito e a estratégia foram afetados por falhas na 'espinha dorsal' da empresa".
Nogueira comenta que muitas empresas precisam evoluir para contornar problemas e se adaptar à nova realidade do mercado. Ela diz que isso é importante porque as marcas "envelhecem assim como as pessoas", fazendo com que haja a necessidade de atualização.
"Um bom exemplo de rebranding foi a Havaianas, que alterou seu foco — que era explicitamente o público popular — para se transformar em um objeto de desejo sofisticado e virando tendência, inclusive desbravando a geografia e indo para vários outros países", disse a especialista.
Ela cita ainda que o Facebook é bastante jovem, pois tem apenas 17 anos, mas cometeu graves deslizes e que precisa rever seu posicionamento perante o mercado para se atualizar e entender as novas demandas sociais.
Processo jurídico
Sobre a questão jurídica, o advogado Pedro Marcos Nunes Barbosa, sócio da Denis Borges Barbosa Advogados e professor do Departamento de Direito da PUC-Rio, pontua que o nome de uma empresa é diferente da marca.
No caso, o nome é um signo que representa a pessoa jurídica, enquanto a marca distingue produtos e serviços oferecidos. No caso, o nome do conglomerado de Mark Zuckerberg é Facebook Inc., que é homônimo ao da rede social (que é uma marca).
Barbosa comenta que alterações nos nomes são menos complexas, diferentemente de alterações de marca, já que não se pode mudar uma marca que é um direito de propriedade registrado, por exemplo.
"Por vezes marcas são registradas em cerca de 4 a 6 meses. Não há diferenças significativas na regulação dos nomes de empresa e das marcas nos Estados Unidos, no Brasil ou em qualquer país que integra a Organização Mundial do Comércio (OMC), pois todo membro da entidade é signatário de dois tratados internacionais que harmonizam: A Convenção União de Paris, de 1883, e o Acordo TRIPS, de 1994", disse o advogado.
O Facebook tem motivos para mudar seu nome?
Apesar de menos complicadas, o advogado afirma que mudanças de nomes são mais raras do que depósito de novas marcas. As companhias recorrem a essa alteração radical por insucesso no mercado, escândalos que abalam a reputação ou obsolescência do produto.
Isso significa que aparentemente a empresa tem vários motivos para apostar em uma mudança de nome. Além dos problemas citados no começo da matéria, a gigante tem visto quedas no número de usuários, principalmente entre os jovens, os quais têm preferido as plataformas Instagram e TikTok em vez do Facebook, que, para muita gente, virou uma rede para pessoas mais velhas.
"No ambiente das redes sociais, o próprio público está sempre em busca de novidades, e o protagonismo longo não significa perpetuidade de angariação de novos clientes, por exemplo o Cadê e o Orkut, que dominavam e depois acabaram. É possível que o declínio de cliques e de receita publicitária seja um indício da necessidade de mudanças", disse o advogado.
Crise para quem?
Apesar da severa crise de imagem com todos os escândalos citados, o Facebook parece que não tem sentido no bolso os problemas. A companhia divulgou na segunda-feira (25) o balanço fiscal do 3° trimestre de 2021 com bons resultados.
Entre julho, agosto e setembro a marca teve uma receita de US$ 29 bilhões, aumento de 35% na comparação com o mesmo período de 2020. A gigante da tecnologia também registrou uma receita de US$ 28,2 bilhões com anúncios, um aumento de 33% na comparação com o ano passado, enquanto outros tipos de receita cresceram 195%.
O 3° trimestre de 2021 também foi bom no quesito usuários. No período, a rede social registrou 1,93 bilhão de usuários ativos diários, um aumento de 6% na comparação com o ano passado.
"Fizemos um bom progresso neste trimestre e a nossa comunidade continua crescendo. Estou animado com nosso roadmap, especialmente em relação aos criadores [de conteúdo], comércio e ajudando a construir o metaverso", reconheceu Zuckerberg no documento enviado para os acionistas. Em outras palavras: crise para quem?
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