Pois é, gente, deu ruim para o Google. Na última terça-feira, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos instaurou o maior processo antitruste dos últimos 20 anos contra a empresa. A justificativa é simples: a gigante de buscas, assim como sugere seu apelidinho, controla esse mercado. E não só isso. A companhia também é dona da coisa toda quando o assunto é publicidade atrelada às buscas. Segundo a repartição do Tio Sam, o Google cultiva sua liderança por meio de acordos comerciais exclusivos e interligados que não dão brecha para os concorrentes. O governo diz que a empresa arrecada bilhões de dólares com anúncios em sua plataforma e usa parte dessa grana para pagar fabricantes de celulares (Samsung, LG, Apple…), operadoras (AT&T, Verizon…) e navegadores (Safari, Firefox…) para se manter como mecanismo de busca predefinido e padrão. Parece viagem? Até pode ser, mas pense só: o Google teria 80% de market share nos EUA se não estivesse em todos os iPhones e Androids? E todos usariam o verbo "googlar" como sinônimo de busca se eles não fossem os maiorais?
O outro lado da tela
A gente até tentou falar com o Google Brasil para responder a essas perguntas, mas eles não querem saber de papo. Tudo o que eles pensam foi dito, de forma clara e incisiva, em um post no blog oficial. A empresa explica que, assim como inúmeras outras empresas, também paga para promover seus serviços. E fez uma boa comparação: na analogia, uma marca de cereal pode pagar para estocar seus produtos em uma prateleira ao nível dos olhos do consumidor e, assim, se destacar das demais. Da mesma forma, no mundo digital, o Google paga para ficar “ao nível dos olhos”. Só que essa prateleira é a tela inicial de um celular ou de um desktop, por exemplo. Assim, para que geral use seu buscador, eles negociam com a galera toda (e mais alguns) para serem sempre a primeira opção. Para a empresa, isso não faz mal nenhum. BTW, ela até cutucou no post: "Sejamos claros: nossos concorrentes também estão disponíveis, se você quiser usá-los". Ouch!
Somos todos antitruste
Aposto que você está se perguntando o que esse processo tem diferente, já que vira e mexe o Satya Nadella dá as caras no Congresso norte-americano para se explicar. Para ilustrar, precisamos voltar no tempo e relembrar o caso antitruste da Microsoft, que rolou de 1993 e se estendeu até 2009. A gente trocou uma ideia com Marcelo Calliari, head da área de Direito da Concorrência do escritório TozziniFreire, e ele nos ajudou nessa memória. Segundo ele, na ocasião, os democratas queriam que a empresa separasse o Internet Explorer do Windows 95 por achar que o navegador era o centro do mercado. Mas o caso se alongou por tantos anos que acabou sobrando para os republicanos decidirem e, então, o lance ficou mais brando e a empresa acabou fazendo um acordo com o governo (que tinha uma visão mais de livre mercado) sem precisar se desmembrar. Agora, com o Google, as coisas são diferentes, pois os dois partidos concordam que a gigante de buscas pratica monopólio. Assim, ainda que o próximo governo troque de lado, o processo deve se manter em curso, pois o caso é muito sensível e mesmo as poucas mudanças de staff no Departamento de Justiça não deverão afetar a postura da partição. "Seria desmoralizante para o órgão e ninguém gostaria de fazer isso", disse Marcelo, para o azar dos googlers.
I'm (not) feeling lucky
A preocupação com as big techs não é de hoje, como podem ver. E na Europa as coisas já ficaram bem feias, com multas bilionárias aplicadas. Esses processos demonstram que, de verdade, muitos países se preocupam em ter poucas empresas com muito poder. A questão não é sobre se é ou não um receio real dos governos. A questão é outra: basta usar o direito de concorrência e aplicar multas ou eles devem regular esses grandes players, às vezes até dissolvê-los, para que a concorrência seja justa? Certas empresas sempre irão abusar de sua posição estrutural para se beneficiar, e as penalidades não vão mudar isso. Por outro lado, o "castigo" às gigantes pode podar o processo de inovação local. "Esses casos demoram anos e são milhares de documentos analisados. Não é fácil provar que uma empresa está manipulando o mercado para se beneficiar. Eles precisam achar provas da má intenção. É difícil saber como manter o mercado aberto, competitivo, sem prejudicar o consumidor e sem matar a inovação", disse Marcelo.
Ok, Google, fale do Brasil
Todo esse auê pelos lados do norte surgiu em cima de 80% de fatia de mercado, enquanto, por aqui, o Google é responsável por 97% de todas as buscas dos brasileiros. O fato é que o CADE, nosso Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ainda está quietinho, mas está de olhos bem abertos e pronto para começar a canetar geral. O Marcelo contou que a autarquia deve apertar o cerco contra as big techs em breve, pois vem fazendo estudos e olhando decisões ao redor do mundo. "Vai ter escrutínio maior sobre o Google e outras. O Brasil entendeu que não dá para ficar de fora. Esse acompanhamento de mercado mostra que o CADE tem interesse e está antenado", falou. E tem mais: como a entidade brasuca é menos politizada, porque os conselheiros têm mandatos e teoricamente não são subordinados a ninguém, há mais autonomia na escolha dos casos e nos julgamentos. Por falar nisso, vale lembrar que o próprio CADE instaura o processo e julga. Então, se liga ae, Google Brasil.
Por Stephanie Kohn, editora do The BRIEF
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