Quem acompanha as notícias do mundo corporativo ou se interessa por estratégia empresarial provavelmente conhece diversas histórias de companhias bem-sucedidas, líderes em seus mercados de atuação, que foram derrotadas por competidores inesperados, muitas vezes com bem menos recursos.
Kodak, Xerox, Blockbuster, Blackberry e Nokia são exemplos de companhias que, por meio de importantes inovações, alcançaram o protagonismo em suas indústrias. Entretanto, mesmo fazendo tudo “certo”, aprimorando seus principais produtos/serviços e otimizando suas operações ao longo do tempo, foram superadas de forma contundente por novos entrantes. Clayton Christensen, pesquisador de Harvard, identificou as causas deste fenômeno e estabeleceu o conceito de “inovação disruptiva”, popularizado em seu livro clássico “O Dilema do Inovador”, publicado em 1997.
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O Dilema do Inovador
Em suma, o Dilema do Inovador está relacionado com dois fatores principais:
As empresas líderes (incumbentes) procuram aprimorar seus processos internos e produtos de forma a extrair o máximo possível de valor de um determinado mercado, atendendo seu maior (e normalmente mais lucrativo) segmento, o cliente “médio”.
Dado o porte dos incumbentes, segmentos menores de mercado deixam de ser interessantes para a empresa e não há grandes incentivos para desenvolver produtos/serviços para estes consumidores. Assim, estes nichos desatendidos pelos líderes de mercado passam a ser alvo de empresas menores, mais ágeis e dispostas a inovar para conquistar mercado.
No início, as ofertas dos novos entrantes são desprezadas pelos líderes pois não ameaçam o seu mercado principal e normalmente não possuem o mesmo nível de qualidade. Entretanto, à medida que crescem “pelas beiradas”, os novos concorrentes aprimoram suas soluções e começam a competir também pelo cliente “médio”, com ofertas que substituem de forma vantajosa os produtos tradicionais. Quando se dão conta, os incumbentes não têm mais tempo para reagir e acabam sucumbindo para os novos líderes.
Por exemplo, a Kodak era um ícone no mercado de fotografia, com destacado nível de excelência em câmeras e filmes analógicos. Entretanto, concorrentes menores começaram a investir em uma nova tecnologia (digital) para as câmeras. No início, a qualidade das câmeras analógicas era muito superior mas, mesmo assim, os concorrentes foram capazes de atender o segmento, menos atrativo para a Kodak, de fotógrafos casuais que abriam mão da qualidade em função do menor preço ou da praticidade das câmeras digitais.
Ao longo do tempo, a tecnologia das câmeras e qualidade das fotos digitais evoluíram até atingir um nível comparável ao dos equipamentos analógicos, a um custo mais baixo e oferecendo maior praticidade e conveniência pois não há necessidade de comprar filmes nem revelar as fotos. Ou seja, no seu segmento principal, a Kodak passou a competir contra produtos superiores e não conseguiu reagir a tempo de evitar a sua derrocada.
E no mercado financeiro brasileiro, iremos observar o aparecimento de “Kodak’s” nos próximos anos?
E no mercado financeiro brasileiro, iremos observar o aparecimento de “Kodak’s” nos próximos anos? Bancos e Financeiras tradicionais, Credenciadoras/Adquirentes e Bandeiras de Cartão serão vítimas do Dilema do Inovador?
Quem lidera estas companhias incumbentes, deve(ria) estar bem preocupado pois fatores muito semelhantes aos descritos por Christensen fazem parte da realidade atual deste mercado:
Cerca de 45 milhões de adultos no Brasil não possuem conta em banco e têm muita dificuldade para acessar serviços financeiros (cartão de crédito, financiamentos, …). Outros tantos brasileiros são mal-atendidos, pois os incumbentes preferem se concentrar em clientes mais “lucrativos”, com maior renda.
As mudanças tecnológicas e regulatórias permitiram que novos entrantes oferecessem serviços financeiros via canais digitais para os desbancarizados ou clientes insatisfeitos com o atendimento dos incumbentes.
As companhias líderes em meios de pagamentos, como as credenciadoras e bandeiras de cartão, são as mais vulneráveis
As companhias líderes em meios de pagamentos (credenciadoras e bandeiras) são as mais vulneráveis pois a cobrança de altas taxas (“pedágio”) para movimentar dinheiro de uma conta para outra tende a desaparecer, especialmente com a nova rede de pagamentos instantâneos (“PIX”). Não é por acaso que o valor de mercado destas empresas tradicionais já caiu significativamente e tais companhias estão buscando oferecer novos serviços, como conta digital e saque no varejo, para sobreviverem.
Quanto aos bancos tradicionais, a concorrência também vem se fortalecendo. Fintechs e bancos digitais como Nubank, Mercado Pago, Picpay, Pagseguro, C6 e Inter já fazem parte do dia-a-dia de vários milhões de brasileiros. À medida que oferecem um portfólio cada vez maior (ex.: pagamento de taxas e impostos), os seus clientes dependerão menos dos bancos tradicionais e, muito em breve, deverão cancelar suas contas “antigas” em favor das plataformas digitais.
Os bancões estão destinados a ter o mesmo fim trágico?
Não necessáriamente, pois existem caminhos para evitar tal sina:
Criar ou investir em estruturas autônomas, que possuam liberdade para inovar e desenvolver novos produtos e serviços sem a “burocracia” e com incentivos diferentes daqueles do incumbente. A aquisição de participação acionária da XP por parte do Itaú e as negociações entre Bradesco e C6 são exemplos desta estratégia.
Ter a coragem de “matar” produtos lucrativos em favor de novas ofertas mais adequadas para o seu cliente, abrindo mão do resultado de curto prazo, mas reduzindo o risco de perder mercado futuro. Será que algum bancão irá realizar campanhas para que pessoas e empresas substituam o uso de TED/DOC pelo PIX?
Será que algum bancão irá realizar campanhas para que pessoas e empresas substituam o uso de TED/DOC pelo PIX?
Concentrar o seu foco em determinados produtos financeiros, os quais ainda possuem clara vantagem competitiva, como oferta de crédito, e não tentar competir com os novos entrantes em serviços “comoditizados” (ex.: cobranças, transferências).
Realizar uma mudança significativa do ponto de vista organizacional, alterando suas estruturas orientadas a produto para um modelo mais próximo dos novos entrantes, que nasceram com foco voltado para o cliente.
E você, o que acha? Os líderes de mercado no Brasil estão imunes ao Dilema do Inovador? Como os incumbentes podem reagir a estas transformações do mercado e da tecnologia? Teremos “Kodak’s” que não conseguirão sobreviver?
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Alexandre Pinto, colunista quinzenal do TecMundo, é Diretor de Inovação e Novos Negócios da Matera e especialista em Open Innovation. Na empresa desde 2001, foi responsável pela criação da área de P&D e do seu ecossistema de parceiros.