As empresas conhecidas como “Big Techs”, a maioria delas criadas no final da década de 90 e nos anos 2000, tornaram-se as grandes vencedoras da nova economia digital. Amazon, Facebook, Apple e Google são exemplos de companhias que transformaram mercados como varejo, mídia, propaganda e telecomunicações.
Por meio de uma estratégia centrada em dados, atendendo efetivamente desejos e necessidades diários dos seus clientes, foram capazes de mudar o nosso comportamento. Como resultado, geram um fluxo de caixa invejável, mesmo em momentos de crise como o atual, e construíram grandes barreiras de entrada à concorrência, pois possuem escala e efeito de rede difíceis de se reproduzir (fenômeno winner takes it all). Não por acaso, as Big Techs são destacadamente as empresas mais valiosas do mundo.
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Haverá um tsunami em serviços financeiros, similar ao que ocorreu com o varejo nos Estados Unidos, após o surgimento da Amazon (“retail apocalypse”)?
Portanto, é justificável a preocupação dos participantes do mercado financeiro (bancos tradicionais e digitais, fintechs e órgão reguladores) quanto à disrupção que as Big Techs podem causar nesse ecossistema. Haverá um tsunami em serviços financeiros, similar ao que ocorreu com o varejo nos Estados Unidos, após o surgimento da Amazon (retail apocalypse)?
Para tentar responder a essa pergunta, em primeiro lugar, vale a pena examinar as vantagens competitivas das Big Techs perante aos seus potenciais concorrentes do mercado financeiro:
Poder da marca: especialmente para os millenials, que confiam mais nas empresas de tecnologia do que nos bancos tradicionais.
Excelência em “personalização em massa”: capacidade de oferecer, a partir do histórico de uso e perfil dos seus clientes, produtos e serviços direcionados a suas necessidades específicas.
Escala: as Big Techs possuem centenas de milhões ou bilhões de clientes/usuários ativos no mundo.
Share of attention: além da imensa base de usuários, as Big Techs fazem parte da nossa rotina diária e nos engajam de forma bem mais intensa do que os provedores de serviços financeiros.
Mesmo assim, chama atenção o fato de que a oferta de serviços financeiros ainda representa uma pequena fatia desses impérios. Até o momento, as Big Techs têm atuado na “periferia” deste mercado, como distribuidores, por meio de parcerias com players tradicionais. Exemplos:
Apple Pay, Google Pay, Google Wallet, Facebook Pay e Amazon Pay: e-wallets que utilizam meios de pagamento de emissores estabelecidos (cartões de crédito e de débito).
Apple Card: cartão de crédito desenvolvido em conjunto com o Goldman Sachs.
Contas-correntes: Amazon e Google anunciaram planos para oferecer este serviço em parceria com JP Morgan Chase e Citigroup, respectivamente.
Por que não?
Afinal, por que as Big Techs não montam seus próprios bancos/fintechs ou adquirem empresas financeiras de médio-grande porte e entram para valer nessa “briga”? Existem alguns motivos relevantes que podem justificar essa decisão, estes são:
O mercado bancário é altamente regulado. Mesmo nos Estados Unidos, país reconhecido pela liberdade econômica e pouca intervenção do Estado, os bancos devem cumprir uma extensa lista de exigências regulatórias. Talvez, as Big Techs não queiram ter esse tipo de “dor de cabeça” e correr os riscos (crédito, mercado, liquidez) inerentes à posse de uma licença bancária.
Considerando a sua dominância em outros mercados, uma incursão em serviços financeiros certamente despertará a atenção de órgãos de defesa da concorrência que podem levar, inclusive, a situações como a divisão (break up) da AT&T, que foi obrigada a vender partes da companhia na década de 1980, dada a sua condição monopolista no mercado de telecomunicações nos Estados Unidos.
As margens de lucro e riscos associados a serviços financeiros podem não ser tão atraentes para as Big Techs. Isso significa que talvez faça mais sentido do ponto de vista econômico “revender” cartões, financiamentos e seguros do que se tornar um “fornecedor” desses produtos.
Finalmente, é interessante observar que o peso dos fatores acima pode ser bem diferente de um país para outro. A combinação de um marco regulatório favorável à inovação e a maiores margens de lucro devem ter influenciado a decisão do Facebook em oferecer recursos de pagamento e transferência de dinheiro via Whatsapp no Brasil.
Nosso país será palco de uma disputa ainda inédita mundialmente
Apesar das restrições estabelecidas pelo Banco Central e Cade, existem claramente soluções possíveis para que o Whatsapp atue como uma fintech por aqui. Por exemplo, o conceito de Instituição de Pagamento (tema de uma próxima coluna), estabelecido pelo Banco Central em 2013, permite que empresas como o Facebook gerenciem pagamentos e contas de terceiros sem a necessidade de se tornar uma instituição financeira. Resta saber se a companhia trilhará este caminho no Brasil.
Caso isso ocorra, nosso país será palco de uma disputa ainda inédita mundialmente e essa experiência servirá de referência para os próximos movimentos das Big Techs no ecossistema financeiro de outros países.
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Alexandre Pinto, colunista quinzenal do TecMundo, é Diretor de Inovação e Novos Negócios da Matera e especialista em Open Innovation. Na empresa desde 2001, foi responsável pela criação da área de P&D e do seu ecossistema de parceiros.