O conceito de dinheiro é bem antigo, inventado há cerca de 3 mil anos, com o objetivo de simplificar e agilizar transações comerciais que antes eram realizadas provavelmente por meio de escambo — por exemplo: troco uma ovelha por três sacos de trigo. Ao longo dos séculos, o dinheiro evoluiu e adquiriu diversas formas, como peles de animais, sal, armas, metais preciosos, papel-moeda e bytes; entretanto, as funções básicas não mudaram muito desde a sua concepção:
unidade de medida (referência) do valor de bens e serviços: é mais fácil avaliar se um smartphone está caro ou barato quando seu preço é expresso em reais, uma referência bem conhecida por todos, do que em sacos de trigo ou quantidade de ovelhas;
smart people are coolerTecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.
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reserva de valor: podemos armazenar o dinheiro que ganhamos hoje, de preferência em um banco ou fintech, para compras no futuro;
meio de troca: permite que pessoas e empresas possam adquirir aquilo de que precisam ou desejam.
Para que seja um mecanismo eficiente, é essencial que as pessoas acreditem que poderão utilizá-lo para comprar bens ou serviços sempre que quiserem. É interessante observar que a forma do dinheiro também influencia esse nível de confiança e, consequentemente, a sua adesão. No Brasil, por exemplo, usar o dinheiro em espécie ainda é bastante comum, mesmo em regiões que têm infraestrutura adequada de telecomunicação para utilização de meios eletrônicos de pagamento, como cartões de crédito e débito, QR code e mobile banking.
Confiança no dinheiro de papel
Uma parcela relevante da população prefere utilizar o papel-moeda pois não confia ou não conhece alternativas a ele. Em outras palavras, tem receio de deixar a cargo de um banco ou fintech a custódia do que economizou, por medo de não conseguir utilizar o dinheiro devido a problemas técnicos, de não saber o que fazer para proteger os seus recursos financeiros caso o cartão ou celular seja roubado etc.
A tendência global de digitalização de diversas indústrias, incluindo o mercado financeiro, a recente abertura à concorrência proporcionada pelo Banco Central e a grande abrangência de uso dos smartphones certamente são fatores que contribuem para a redução da quantidade de transações com dinheiro físico. Entretanto, ainda faltam alguns catalisadores para acelerar essa mudança cultural — ou, melhor dizendo, talvez não faltem mais.
Fator coronavírus
A crise causada pela covid-19 vem alterando profundamente rotinas e hábitos, incluindo a forma como as pessoas realizam transações financeiras. Como não é recomendável ir a uma agência bancária ou lotérica para pagar contas, dado o risco de contágio, muitos estão começando a utilizar os canais digitais de bancos e fintechs. Recentemente, um dos maiores bancos do país reportou aumento de mais de 1,5 milhão de usuários no seu aplicativo de mobile banking. Depois que os correntistas se habituarem com o uso e ganharem confiança nesses canais, é difícil imaginar que voltem a frequentar agências físicas.
Sabemos também que esse vírus é altamente transmissível por contato, portanto as cédulas são potenciais vetores da doença. Pagamentos por aproximação, baseados em tecnologia QR code, representam uma alternativa bem mais segura do que a circulação de um pedaço de papel entre várias pessoas.
Nesse aspecto, a nova rede de pagamentos PIX (Pagamentos Instantâneos), projeto do Banco Central que entrará em funcionamento em novembro de 2020, irá impulsionar o uso dessa tecnologia, permitindo a padronização e interoperabilidade do QR code. Em um celular com o aplicativo compatível com o PIX, seremos capazes de pagar e transferir dinheiro para contas de pessoas e empresas de forma instantânea e com um custo extremamente baixo.
PIX também contempla a padronização de QR code que pode ser gerado de forma offline pelo pagador, permitindo que o consumidor realize transações sem conexão com a internet.
Além disso, o projeto PIX contempla a padronização de um QR code que pode ser gerado de forma offline, permitindo que o consumidor realize a transação mesmo que o seu celular esteja sem conexão com a internet. Tal recurso é importante porque nem todas as regiões do país têm uma boa infraestrutura de comunicação móvel, e muitos brasileiros têm planos pré-pagos de dados (ou nem têm planos de dados).
O processo de digitalização do dinheiro traz uma série de benefícios para a economia, como redução de custos associados à fabricação, armazenagem e transporte de papel-moeda, e entraves para quem utiliza numerário para camuflar atividades ilícitas. Quem sabe, a pandemia e o PIX representam o empurrão que faltava para desencadear o fim do dinheiro físico no Brasil.
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Alexandre Pinto, autor desta coluna no TecMundo, é Diretor de Inovação e Novos Negócios da Matera e especialista em Open Innovation. Na empresa desde 2001, foi responsável pela criação da área de P&D e do seu ecossistema de parceiros.