Rede de pagamentos instantâneos promete revolucionar mercado no Brasil

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Imagem: TecMundo/Silmara Slobodzian

Imagine uma realidade em que os pagamentos são feitos a partir de um comando no smartphone. Você pode estar pensando “mas isso já existe”. Sim, já existe, mas você consegue pagar a divisão da carne do churrasco com os amigos, um pão na padaria ou transferir menos de dez reais com o aplicativo que usa? As taxas de transferência, geralmente, impossibilitam o pagamento de valores baixos.

Bancos, órgãos controladores, fintechs e agentes do mercado financeiro estão estruturando um sistema que é a aposta para o futuro: o pagamento instantâneo. Na China, por exemplo, o Alipay, do Alibaba, e o WeChat Pay, da Tencent, já oferecem serviços de transferência sem quase nenhum custo embutido e a qualquer momento.

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Neste país, porém, criou-se um duopólio entre estas empresas. Com a intenção de evitar que algo similar aconteça no Brasil, o Banco Central se adiantou no desenvolvimento de um ecossistema que democratize a oferta de pagamentos instantâneos, por meio do desenvolvimento da infraestrutura única de liquidação.

“O pagamento instantâneo funciona parecido com o sistema de email para o usuário final: você abre um app, coloca o endereço da conta do destinatário e envia o dinheiro”, explica Piero Contezini, CEO da fintech Asaas.

 24% da população já usa apps de pagamentos em lojas físicas

O serviço, pelo menos teoricamente, não está muito longe da nossa realidade. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo constatou que 24% da população já usa apps de pagamentos em lojas físicas. O que falta é justamente uma infraestrutura que permita que todos possam se conectar a uma rede de pagamento instantâneo e regras para sua utilização.

Olhando para um futuro próximo, o Banco Central quer construir um ecossistema que garanta a interoperabilidade dos meios de pagamento e transferências instantâneas disponíveis 24h por dia, todos os dias da semana.

Mas como funcionaria?

O sistema de pagamento instantâneo será uma rede parecida com o que existe hoje para TED (transferência eletrônica disponível), com a diferença de que irá funcionar sem um vínculo necessário com instituições bancárias tradicionais, sem interrupções e com viabilização em diferentes plataformas.

O valor transacionado pode percorrer dois caminhos neste modelo. No primeiro, e mais direto, o pagador envia a informação de pagamento para uma instituição, chamada de participante direto, que oferece uma conta transacional e que tem ligação com o Banco Central  aqui cabem bancos, fintechs e outros agentes. Esta, por sua vez, faz a conexão com a infraestrutura centralizada de liquidação, que está sendo desenvolvida, para enviar o valor para a instituição de pagamento que oferece uma conta transacional ao recebedor, e este, por fim, recebe uma mensagem de confirmação do débito.

A forma indireta acontece quando o pagador tem acesso a uma instituição, chamada de participante indireto, que oferece uma conta mas não tem ligação com o Banco Central. Neste caso, a instituição precisa enviar as informações para um participante direto e este as encaminha para a infraestrutura de liquidação. Se o recebedor também tiver conta em um participante indireto, depois da liquidação o valor vai para um participante direto parceiro da instituição onde o usuário tem a conta e este o reencaminha para o recebedor.

bc(Fonte: Banco Central/Divulgação)

A forma de cobrança deste sistema é responsabilidade dos participantes diretos e indiretos. Mas a intenção é que sejam cobradas taxas insignificantes pela transação. Alexandre Pinto, Diretor de Novos Negócios da Matera, empresa que desenvolve software para atores do sistema financeiro, aposta que os meios de pagamento irão monetizar sua operação em cima de outros serviços, deixando a transferência sem custo nenhum.

“Não existe mais custo entorno da transferência de valores, eu estou enviando informação, qual o custo disso? Quase nada, alguns centavos. Os players vão ter que deixar de pensar que as transferências são formas de receita e pensar em outras ofertas de serviço, como rentabilizar na conta ou no oferecimento de outros serviços financeiros”, explica.

Mudança de paradigmas

Este ecossistema permite que diferentes aplicativos possam interagir, acabando com o problema de não aceitação de determinados métodos de pagamentos em estabelecimentos comerciais.

“Vai ser uma rede muito mais aberta, justamente para permitir a interoperacionalidade. Então eu vou poder transferir um dinheiro para conta do Magazine Luiza, com o Apple Pay, ou pagar a Casas Bahia com o Mercado Pago, por exemplo. Essa é a ideia, com um ou dois aplicativos, vou conseguir pagar qualquer conta, de qualquer valor, em qualquer horário e dia”, exemplifica Alexandre.

A não necessidade do vínculo das empresas envolvidas na transação com o Banco Central abre a oportunidade para a descentralização do sistema financeiro brasileiro. Pessoas desbancarizadas, que já somam mais de 60 milhões no país de acordo com o IBGE, poderão usar meios de pagamento instantâneo sem nenhum tipo de prejuízo.

visa(Fonte:Pixabay/Divulgação)

Piero defende que esta é uma forma de democratizar o uso de tecnologias financeiras no Brasil. “Fora do sistema tradicional hoje, existem poucas opções amplamente aceitas pelo mercado de aplicativos de pagamento, excluindo grande parte dos brasileiros. Esse ecossistema tem o potencial de democratizar uso de tecnologias de pagamento, abrangendo desbancarizados”, ressalta.

A regulamentação das empresas participantes do ecossistema será feita pelo Banco Central, colocando serviços de diferentes tamanhos em um mesmo patamar. O ecossistema será regido pelas leis 10.214, que dispões sobre a atuação das câmaras e dos prestadores de serviços de compensação e de liquidação, e 12.865, que entre outras normas, legisla sobre os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

Águas turvas

Apesar da ideia estar consolidada e agradar grande parte dos atores envolvidos, o projeto ainda navega em águas turvas. Para o Banco Central, o maior desafio é a construção desta infraestrutura única de liquidação. Mas Alexandre alerta também para a confiança da população neste meio de pagamento como impasse à sua popularização, afirmando que será necessário um forte trabalho de educação de mercado para estimular a ideia de segurança no uso desta rede.

Quem hoje domina o mercado, grandes empresas de adquirência e bancos, não têm interesse que o processo ande rápido

A insistência de grandes instituições em atrasar alguns pontos de discussão nas reuniões sobre o plano que irá reger o ecossistema também é uma preocupação para o diretor.

“Quem hoje domina o mercado, grandes empresas de adquirência e bancos, não têm interesse que o processo ande rápido, por questões óbvias de que grande parte do seu modelo de negócio hoje é rentabilizar em cima de transferências. O posicionamento deles é levar o projeto em banho maria, já que dificilmente alguém vai se posicionar contra de forma mais explícita, até porque pegaria mal”, conta.

A segurança, de acordo com todos os ouvidos, será um ponto forte dos pagamentos instantâneos. Isso porque são rastreáveis, dificultando lavagem de dinheiro e corrupção, e oferecem diferentes camadas de verificação de fraude, sob responsabilidade das empresas e do Banco Central, para evitar roubo ou vazamento de dados.

Terra à vista

A forma como os pagamentos instantâneos podem ser executados é diversa, mas a grande aposta é que o QR Code será o meio mais utilizado. Isso porque oferece praticidade, segurança e compatibilidade. Piero explica que as próprias maquininhas de cartão tem a capacidade de ler ou gerar um QR Code para pagamento. Além disso, a tecnologia pode ser usada com celulares e wearables, por exemplo.

qr code

Muitas empresas irão se beneficiar desse novo sistema, entre elas PicPay, Opa! e as e-wallets. A Movile, dona do iFood, lançou recentemente o Movile Pay, uma carteira digital dentro do app de entregas. A empresa afirma que o pagamento com QR Code está em ascensão, mesmo sem um ecossistema forte para isso já implementado.

“Hoje já temos 10 mil estabelecimentos cadastrados recebendo esse tipo de pagamento, em apenas 5 meses de operação, e estamos crescendo em toda a base do iFood e fora também”, afirma Thomas Barth, CFO da Movie Pay.

A perspectiva da instituição é positiva. “No Brasil, acreditamos que o potencial é grande, pois as pessoas estão usando cada vez mais o celular no dia a dia, então temos uma oportunidade enorme para abraçar de forma disruptiva” explicou Barth.

Além da implementação do sistema, Barth concorda com Alexandre e diz que o maior desafio para a popularização dos métodos instantâneos de pagamento é uma mudança de hábito dos consumidores.

O Banco Central quer que o ecossistema esteja pronto para funcionamento em novembro de 2020, mas os especialistas apontam que devemos ver a popularização deste meio de pagamento e o oceano de novas possibilidades que apresentam apenas daqui quatro a cinco anos.

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